O Estado de S. Paulo, n. 46862, 05/02/2022. Economia & Negócios, p. B15

Ações por assédio crescem no país após longo período de queda 

Marina Dayrell


 

No início da pandemia, os casos de assédio moral e sexual registrados no Tribunal Superior do Trabalho (TST) diminuíram, segundo especialistas, influenciados pelo medo do desemprego e pelas incertezas do momento. No entanto, dados do TST mostram que os registros de assédio voltaram a crescer em 2021. De um lado, a queda de lucro e a pressão por produtividade podem ter motivado o aumento. Por outro, a maior facilidade em obter provas digitais e o aumento do nível de confiança dos trabalhadores em relação ao emprego também podem ter impulsionado a maior judicialização dos casos.

Em 2021, foram registrados 3.049 processos de assédio sexual e 52.936 de assédio moral nas varas de trabalho pelo País, segundo o TST. Nos últimos seis anos, a maior queda, em ambos os tipos, ocorreu em 2018. Naquele ano, foi registrado cerca de um terço do total de casos de assédio moral do ano anterior – metade dos de assédio sexual. Já em 2019, os números ensaiaram um aumento novamente, mas o primeiro ano da pandemia fez com que caíssem, dessa vez de forma menos acentuada.

Para o TST, ambos os movimentos podem ser explicados pelo contexto legal e econômico. "Com a reforma trabalhista de 2017, foi introduzido na CLT o princípio da sucumbência, o que significa que a parte que perder total ou parcialmente a ação tem de pagar os honorários do advogado da parte contrária e as custas do processo", explica a ministra Maria Cristina Peduzzi, presidente do TST e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT). "O reclamante só vai ajuizar uma ação se tiver uma prova consistente. Principalmente no assédio sexual, por geralmente ocorrer entre duas pessoas, a prova é difícil de ser produzida."

A leve elevação dos números em 2019, diz a ministra, pode ter relação com o maior uso de provas digitais, como registros de celular e redes sociais, que ajudam a embasar os casos. No entanto, a pandemia impôs mudanças econômicas para os trabalhadores, o que pode ter impactado na queda de ações. "A pandemia deslocou o foco. Em 2020, preponderantemente as ações propostas envolveram questões próprias das rescisões contratuais, porque ocorreram muitas. As pessoas estavam mais preocupadas em ter e manter o trabalho", diz.

Assédio Remoto. Dados da consultoria de gestão de riscos e compliance ICTS Protiviti (que recebe denúncias em empresas) mostram que o distanciamento do home office não diminuiu os casos de assédio. No início de 2020, a quantidade de denúncias de assédio recebidas seguiam uma ordem crescente de cerca de 33%, comparada à do ano anterior. Os números caíram quase 50% em abril e depois dispararam de novo.

Já em 2021, o mercado de trabalho mostrou sinais de recuperação, as contratações cresceram e o regime presencial avançou. No primeiro semestre, os assédios moral e sexual registraram 31 mil denúncias, em 347 empresas. O índice representa quase o triplo do registrado em 2019 e em 2020.

Casos na pandemia Aumento da pressão por resultados e instabilidade emocional explicam mais assédio a partir do gestor

Subnotificação. Ainda que os números tenham crescido, há concordância entre especialistas de que são subnotificadas as denúncias nas empresas, em plataformas de compliance e mesmo em órgãos como o Ministério Público do Trabalho (MPT) e o TST.

"Provar esse tipo de situação pode ser algo bem complexo, ainda mais quando estamos falando de crimes ocorridos dentro do ambiente de trabalho, em que as testemunhas trabalham no local e têm o receio de colocar seu emprego em risco", explica a advogada Luanda Pires, CEO da P2 Consultoria e vice-presidente do movimento Me Too Brasil.

O medo de denunciar aparece em uma pesquisa da consultoria Heach Recursos Humanos, com 400 pessoas. Entre os entrevistados, 64% sofreram assédio no trabalho em 2021, sendo 42% moral, 20% sexual e 38% ambos os tipos. Apenas 26% denunciaram. Para os 74% que não prestaram denúncias, os principais motivos são crença de que a empresa não fará nada (42%) e medo de perder o trabalho (31%). A pesquisa também mostrou que a maior parte dos assédios vem dos gestores (82%).

"Quem mais pratica assédio é o líder, o gestor. Além de ser a pessoa que teoricamente deveria passar mais confiança para o funcionário, também é a pessoa que replica a cultura na empresa. Ou seja, corremos o risco de criar uma cultura de assédio cada vez maior nas empresas", comenta Elcio Paulo Teixeira, CEO da Heach.