O Estado de S. Paulo, n. 46862, 05/02/2022. Economia & Negócios, p. B4

Ambientalistas veem riscos em proposta que tira poder do Ibama

André Borges


A decisão do governo Bolsonaro de elaborar um decreto para retirar do Ibama diversas atribuições de licenciamento ambiental e repassá-las aos Estados foi criticada por especialistas. De acordo com o especialista em licenciamento ambiental Luis Sánchez, professor titular da Escola Politécnica da USP, "a capacidade técnica do Ibama não tem paralelo em nenhum dos Estados. Passar aos Estados a tarefa de analisar empreendimentos complexos, como hidrovias e ferrovias, vai enfraquecer o licenciamento ambiental".

Conforme revelou o Estadão anteontem, a minuta do decreto que promoveria as mudanças tem sido debatida pela cúpula do governo e já recebeu colaborações dos ministérios da Economia, Meio Ambiente e Minas e Energia e Infraestrutura, além do Ibama.

Uma das mudanças prevê que o licenciamento ambiental de portos e hidrovias passe a ser feito por seus Estados, e não mais pelo Ibama. Outras obras que deixariam de ser atribuição de licenciamento federal são os acessos rodoviários de estradas, travessias urbanas e contornos rodoviários, além de ramais ferroviários e qualquer outra estrutura relacionada às ferrovias, como a construção de terminais de carga. Na área de energia, usinas térmicas também passariam a ser atribuição de licenciamento estadual, mesmo processo adotado em exploração do chamado gás "não convencional", envolvendo atividades como perfuração de poços.

Para a advogada especializada em Direito Ambiental e Minerário Marina Gadelha, a mudança pode comprometer a qualidade dos licenciamentos ambientais para atividades de alto risco ou de alto impacto ambiental. "Por melhores que sejam os órgãos regionais, o Ibama é a instituição ambiental mais bem estruturada do País."

Judicialização. A Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa) alerta para os riscos de processos judiciais. Segundo a presidente da entidade e promotora de Justiça do Estado da Bahia, Cristina Seixas Graça, "(a proposta) cria um incentivo para que os Estados flexibilizem as exigências ambientais para atrair empreendimentos que geram receita em tributos e dividendos eleitorais". Ela também vê risco de o processo de fiscalização ambiental ser relaxado por falta de recursos humanos e financeiros dos órgãos ambientais estaduais.

De acordo com o Ministério da Infraestrutura, "o fato de o empreendimento ser licenciado pelo ente estadual não significa que o rito do processo de licenciamento será menos rigoroso. Os órgãos estaduais têm plena competência para conduzir processos de licenciamento complexos".

Já Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente (Abema) declarou que "sempre defendeu a competência dos Estados para realizar licenciamentos ambientais cujos impactos sejam restritos aos seus territórios". Segundo a associação, a Lei Complementar 140/2011 prevê que União, Estados e municípios possam "atuar de forma cooperada", como "o reconhecimento da competência dos órgãos ambientais estaduais e municipais para os impactos locais, no âmbito de seus territórios". 

"Passar aos Estados a tarefa de analisar empreendimentos complexos, como hidrovias e ferrovias, vai enfraquecer o licenciamento."

Luis Sánchez Professor da USP

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