O Globo, n. 31466, 01/10/2019. Opinião do Globo, p. 4

A aposta de Lula

Sérgio Roxo
Silvia Amorim



Apostando na estratégia de que vai obter decisão favorável no Supremo Tribunal Federal (STF) nas próximas semanas, o ex-presidente Lula anunciou ontem que recusará a progressão para o regime semiaberto, pedida pelo Ministério Público Federal (MPF) à Justiça. A defesa tem de se pronunciar sobre a progressão, e especialistas em Direito divergem se um preso tem direito a se negar a mudar de regime.

Em uma carta escrita à mão por Lula em sua cela, e lida por seu advogado Cristiano Zanin Martins, o ex-presidente afirmou que não aceita “barganhas” para deixar a cadeia, onde cumpre pena por corrupção e lavagem de dinheiro desde abril de 2018. O petista e seus aliados trabalham na estratégia de tentar a anulação da sentença, o que lhe daria liberdade plena.

— Não troco minha dignidade pela minha liberdade. Tudo que os procuradores da Lava-Jato realmente

deveriam fazer é pedir desculpas ao povo brasileiro, aos milhões de desempregados e à minha família, pelo mal que fizeram à democracia, à Justiça e ao país — escreveu Lula, em trecho lido por Zanin em frente à Superintendência da Polícia Federal do Paraná.

O caminho a ser adotado por Lula mobilizou a cúpula do PT. A presidente Gleisi Hoffmann e o ex-presidenciável Fernando Haddad se reuniram ontem com o petista em sua cela para afinar a estratégia jurídica com o discurso político.

O petista aposta ainda no momento de fragilidade da Lava-Jato desde que, na semana passada, o STF formou maioria no entendimento de que os demais réus devem apresentar suas alegações finais nos processos depois dos delatores. O julgamento pode levar à anulação de 32 sentenças da Lava-Jato e beneficiar cerca de 150 condenados. Os magistrados devem retomar o caso amanhã.

O Supremo deve julgar também o pedido de suspeição do ex-juiz Sergio Moro, hoje ministro da Justiça, e a legalidade do início do cumprimento de pena após condenação em segunda instância. A avaliação é que seria mais efetivo para o discurso político de Lula deixar a prisão graças a uma decisão do STF do que a partir de uma iniciativa dos procuradores da Lava-Jato. Na mensagem lida ontem pelo advogado, Lula acusou os procuradores e Moro de “arbitrariedades”:

— Cabe agora à Suprema Corte corrigir o que está errado, para que haja justiça independente e imparcial.

Direito ou dever

Se Lula for para o regime semiaberto, caberá à juíza Carolina Lebbos, responsável pelo processo de execução da pena, definir medidas cautelares como o uso ou não de tornozeleira eletrônica. Os ex-tesoureiros do PT João Vaccari e Delúbio Soares deixaram o regime fechado e usam tornozeleira. Em entrevistas, o petista já afirmou que não admite usar o equipamento.

Antes, porém, haverá a decisão sobre se Lula pode recusar a progressão de regime. Professores de Direito Penal divergem sobre se o preso pode negar o benefício se houver ordem judicial.

— Não há nada que o obrigue a aceitar a progressão de regime. Na grande maioria dos casos, o apenado quer progredir de regime, mas este caso é um ponto fora da curva —afirma Davi Tangerino, da FGV-SP.

— Se forem cumpridos os requisitos objetivos e subjetivos para o semiaberto, ele não pode ficar no fechado — diz David Teixeira, da USP.

Em entrevista à rádio Jovem Pan, o procurador Deltan Dallagnol reiterou o entendimento do Ministério Público Federal, que, na sexta-feira, pediu à Justiça a progressão de regime para Lula:

—O Estado não pode exercer seu poder de prisão para além do que tem direito. Cumpridos os requisitos, se o réu não pedir (a progressão), é obrigação nossa, do Ministério Público, pedir.

“Não troco minha dignidade pela minha liberdade. (...) Quero que saibam que não aceito barganhar meus direitos e minha liberdade. (...) Cabe agora à Suprema Corte corrigir o que está errado”

Lula, ex-presidente da República, em carta divulgada ontem.