O Globo, n. 31521, 25/11/2019. Sociedade, p. 19

Quem vigiará os professores?
Antônio Gois


Na semana passada, a ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, anunciou, junto com Abraham Weintraub (Educação), os planos do governo federal de criar um canal para denunciar professores que atentassem contra “a moral, a religião e a ética da família”. Ainda não há detalhes sobre como funcionaria, mas já é possível antever sérios questionamentos a respeito da legalidade da iniciativa, visto que 99% das escolas de educação básica são administradas por municípios, Estados ou pela iniciativa privada (que, pela lei, são fiscalizadas pelas autoridades estaduais).

Além da questão legal, cabe a pergunta de quem analisaria, de forma objetiva, o que seria um atentado contra a moral ou ética. Damares, só para lembrar, é aquela ministra que, em seus tempos de pastora, afirmou que na Holanda especialistas “ensinam que o menino deve ser masturbado com sete meses de idade” e que “menina precisa ser manipulada desde cedo para que tenha prazer na fase adulta”.

A ministra também já afirmou que escolas do Nordeste estavam distribuindo manuais de bruxaria para crianças de seis anos de idade, e que havia no Brasil muitos hotéis fazenda de fachada, onde “turistas iriam para transar com animais”. Se os burocratas a serem designados para analisar as denúncias contra professores forem adeptos do mesmo grau de realismo mágico da ministra, as reuniões se assemelharão mais a Tribunais da Inquisição da Idade Média do que a qualquer juízo razoável em pleno século XXI.

Na mesma coletiva em que foi citado o canal, Weintraub afirmou que escolas que não promovessem um ambiente “adequado” poderiam ser punidas com menos repasses federais, e ainda que Estados e municípios têm a obrigação de “prover um ambiente construtivo para as crianças”.

Resta saber o que o ministro — que na semana passada apareceu numa entrevista acusando universidades federais de terem “plantações extensivas de maconha” e de fabricarem em seus laboratórios drogas sintéticas —define como adequado e construtivo.

Imaginem — apenas imaginem — se um professor, do alto de sua autoridade, respondesse a crítica de uma aluna no Twitter xingando sua mãe de “égua sarnenta e desdentada”. Ou que se referisse, em mídias sociais ou em eventos oficias da escola, a opositores políticos e chefes de estado estrangeiros como canalhas, vagabundos ou cretinos.

Descartando fatores externos à escola, uma das variáveis de maior impacto no desempenho dos alunos é o clima escolar. Ele é construído através de diálogo pautado por relações de confiança e pelo estabelecimento de laços positivos entre alunos, professores e famílias. Instaurar um canal de denúncias vindo de Brasília em nada contribui para esse objetivo.

Ter um clima escolar positivo não é garantia de que não existirão conflitos ou discordâncias motivadas por visões de mundo distintas. Mas, quando eles surgem, há maior chance de superá-los de modo civilizado e respeitoso. Algo que, infelizmente, anda muito em falta em nosso ambiente político.