O Estado de S. Paulo, n. 46916, 31/03/2022. Política, p. A10

PF não vê interferência de Bolsonaro e encerra inquérito após denúncia de Moro  

Weslley Galzo


 

Em relatório final, a Polícia Federal afirmou que o presidente Jair Bolsonaro não interferiu politicamente na corporação e descartou a prática de crime por parte do chefe do Executivo. A PF encerrou ontem inquérito aberto com base em acusações feitas pelo ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro, e enviou suas conclusões ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Segundo o relatório, "dentro dos limites da investigação", não há elementos mínimos para indiciar Bolsonaro na esfera penal.

A apuração se estendeu por quase dois anos. Em abril de 2020, ao anunciar sua saída do governo, Moro – hoje pré-candidato à Presidência pelo Podemos – acusou Bolsonaro de ingerência no comando da PF e nas superintendências do órgão nos Estados para obter acesso a informações sigilosas e dados de inteligência. Segundo o ex-juiz, o presidente pretendia blindar familiares e aliados de investigações.

'Praxe'. Em três volumes encaminhados a Moraes, com cerca de 50 páginas cada um, o delegado Leopoldo Soares Lacerda sustenta que Bolsonaro não cometeu crime porque "cabe ao presidente nomear e exonerar o diretor-geral da Polícia Federal, independentemente de indicação ou referendo do ministro da Justiça". À época da demissão de Moro, Bolsonaro havia exonerado o então diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, homem de confiança do então ministro da Justiça.

"O presidente me disse que queria ter uma pessoa do contato pessoal dele, que ele pudesse colher informações, relatórios, seja diretor, superintendente", disse Moro, na ocasião do desligamento de Valeixo. Em suas conclusões, no entanto, a PF diz que "os atos foram realizados dentro da legalidade e formalizados conforme a praxe administrativa" e "os vastos elementos reunidos nos autos demonstram a inexistência de ingerência política que viessem a refletir diretamente nos trabalhos de Polícia Judiciária da União".

Moro. O delegado responsável por concluir a investigação também eximiu Moro do crime de "falsa imputação" de delito e pediu o arquivamento do caso. "No decorrer dos quase dois anos de investigação, 18 pessoas foram ouvidas, perícias foram realizadas, análises de dados e afastamentos de sigilos telemáticos, implementados. Nenhuma prova consistente para a subsunção penal foi encontrada", escreveu Lacerda. "Todas testemunhas foram assertivas em dizer que não receberam orientação ou qualquer pedido, mesmo que velado, para influenciar investigações conduzidas na PF."

Moro questionou o relatório da PF. "A Polícia Federal produziu um documento de 150 páginas para dizer que não houve interferência do presidente na PF. Mas, certamente, as quatro trocas de diretores da PF falam mais alto do que as 150 páginas desse documento", escreveu o ex-ministro, ontem, nas redes sociais.

Apuração. Ainda em abril de 2020, o Supremo atendeu ao pedido da Procuradoria-geral da República para apurar as denúncias de Moro. O então ministro Celso de Mello afirmou que, apesar da posição de eminência do presidente da República, era necessário reconhecer "a possibilidade de responsabilizá-lo, penal e politicamente, pelos atos ilícitos que eventualmente tenha praticado no desempenho de suas magnas funções".

A investigação autorizada por Celso de Mello, que começou com prazo inicial de 60 dias, foi renovada várias vezes e chegou a ficar parada por quase um ano. O caso foi retomado em julho do ano passado.

Nesses dois anos, também houve imbróglio envolvendo o depoimento de Bolsonaro. Em meio a embates com o Judiciário, o presidente disse que não iria depor presencialmente, mas depois recuou. Em novembro, Bolsonaro foi ouvido, no Planalto. Afirmou que "jamais houve qualquer intenção" de interferir na PF quando "pediu" mudanças no órgão. •

Tempo

Com diversos pedidos de renovação, investigação sobre ingerência na PF durou cerca de dois anos