O Estado de S. Paulo, n. 46914, 29/03/2022. Política, p. A8

Revelação de gabinete paralelo no MEC derruba ministro da Educação

Breno Pires
Julia Affonso
Eduardo Gayer


 

Acossado por uma série de denúncias de envolvimento com esquema de corrupção operado por pastores no Ministério da Educação, o ministro Milton Ribeiro pediu demissão do cargo. A saída ocorre dez dias após a publicação, pelo Estadão, da primeira de uma série de reportagens que revelou a atuação do gabinete paralelo do MEC com cobrança de propina até em barra de ouro em troca da liberação de recursos para escolas. É o quarto ministro da pasta a deixar o governo.

O presidente Jair Bolsonaro, que há três dias disse que colocava "a cara no fogo" pelo ministro, aceitou ontem o pedido de demissão após o Estadão revelar que, em solenidade do MEC, foram entregues bíblias com a foto do ministro impressa. A informação provocou reação de evangélicos que não aceitaram o uso do livro religioso como promoção.

"É vergonhoso ver um pastor misturar o sagrado com o profano. Nós, evangélicos, não aceitamos mistura da igreja com o Estado. Essa atitude é totalmente reprovada, a igreja é muito maior do que a política", disse o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), presidente da Frente Parlamentar Evangélica.

Aliado de Bolsonaro, o pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, foi mais duro. "Vergonha total!", escreveu em sua rede social. "Ministro da Educação em foto com a esposa em Bíblia de pastor lobista do MEC. Tem que ser demitido para nunca mais voltar."

Também integrante da bancada evangélica, o deputado Marco Feliciano (PL-SP) já havia cobrado o governo na semana passada para tirar Ribeiro do cargo. "Ele é o alvo, se cai esse ministro, põe outro, acabou o problema. Enquanto ele permanecer, vão cutucar e vai sair mais coisa. Tem que ser feita alguma coisa rápido", disse Feliciano ao Estadão.

Para especialistas em Direito Público, a distribuição de bíblias com a foto do ministro pode configurar crime de promoção pessoal. Prefeitos relataram que a compra das bíblias era parte da propina paga para ter a presença do ministro em eventos em suas cidades.

Na carta de demissão entregue a Bolsonaro, Ribeiro disse que as reportagens revelando corrupção no MEC provocaram "uma grande transformação" em sua vida. "Tenho plena convicção de que jamais realizei um único ato de gestão na minha pasta que não fosse pautado pela correção, pela probidade e pelo compromisso com o erário. As suspeitas de que uma pessoa, próxima a mim, poderia estar cometendo atos irregulares devem ser investigadas com profundidade", escreveu o ministro. Ribeiro deixou o cargo dizendo estar "de coração partido". A exoneração "a pedido" do ministro foi publicada em edição extra do Diário Oficial de ontem.

Carta. Ribeiro diz na carta que quer, "mais do que ninguém, uma investigação completa e longe de qualquer dúvida acerca de tentativas dele de interferir nas investigações". Numa primeira versão do documento, o ministro chegou a escrever que sua saída do cargo era um "até breve" e prometia voltar ao MEC. Na versão final, suprimiu esse trecho.

Com a demissão, o governo Bolsonaro passará por sua quinta gestão diferente do MEC. Além de Ribeiro e Abraham Weintraub, comandaram a área federal da educação o professores Ricardo Vélez Rodriguez e Carlos Alberto Decotelli. Este último teve a nomeação publicada no Diário Oficial da União, mas ficou somente cinco dias na função, sem nunca ter despachado, por inconsistências no currículo. O nome indicado, agora, deve ser o secretário executivo da pasta, Victor Godoy Veiga.

Ribeiro é o personagem central do escândalo de um gabinete paralelo de pastores no MEC. Como o Estadão revelou, um pastor pediu propina em ouro e em dinheiro para facilitar o acesso de prefeitos à pasta. O jornal revelou no dia 18 de março a existência de um gabinete paralelo que se instalou na pasta. A Procuradoriageral da República (PGR) pediu a abertura de um inquérito para apurar improbidade administrativa e tráfico de influência no episódio. A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, autorizou, na semana passada, a investigação.

Pré-campanha. A exoneração de Ribeiro tem relação direta com o início da pré-campanha de Bolsonaro à reeleição, deflagrada no último fim de semana. O presidente foi convencido por aliados do PL e do Progressistas de que as denúncias contra o ministro da Educação repercutiram mal nas redes sociais e o candidato não poderia se "contaminar" pela agenda negativa no MEC.

Como Ribeiro tem ligação direta com a família Bolsonaro, foi preciso encontrar uma alternativa para tentar preservar, ainda que minimamente, sua imagem. A solução foi o ministro entregar a carta de demissão. No texto, o próprio Ribeiro reconhece que, como agente político, era melhor deixar o cargo. Foi a senha para dizer que não queria provocar mais constrangimentos ao presidente da República.

A notícia da demissão do ministro repercutiu entre parlamentares que já vinham cobrando a apuração de irregularidades no MEC. "Caiu o ministro pelo qual o presidente disse que colocaria a cara no fogo! Milton Ribeiro vai responder a inquérito na PF e no STF. Bolsonaro vai colocar a cara no fogo?", disse o senador Jean Prates (PT-RN). "Sem dúvida, a saída é um respiro e um sinal de vitória não só da bancada da educação no Congresso, mas da sociedade civil estarrecida com as denúncias dos últimos dias. No MEC, eles têm podido muito, mas não podem tudo!", afirmou o deputado e presidente da Frente Parlamentar Mista da Educação, Professor Israel Batista (PV-DF).

Senado. Mesmo após a exoneração do ministro, a Comissão de Educação do Senado manteve o convite para Ribeiro prestar esclarecimentos sobre o escândalo envolvendo a atuação de pastores no MEC, na próxima quinta-feira. A presença do agora ex-ministro da Educação, no entanto, vai depender do próprio Ribeiro. 

"Tenho plena convicção de que jamais realizei um único ato de gestão na minha pasta que não fosse pautado pelo compromisso com o erário. As suspeitas de que uma pessoa, próxima a mim, poderia estar cometendo atos irregulares devem ser investigadas com profundidade."

Milton Ribeiro

Ex-ministro da Educação