O Globo, n. 31525, 29/11/2019. Mundo, p. 37

Número de pobres sobe na América Latina, alerta Cepal
Filipe Barini


A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) alertou ontem para retrocessos nos esforços para a redução da pobreza e da desigualdade na região, com riscos ao desenvolvimento social e político. A previsão é de que o número de pobres e miseráveis chegue a 191 milhões ao final de 2019, seis milhões a mais do que em 2018, especialmente por causa da situação de Venezuela e Brasil.

No relatório “Panorama Social da América Latina 2019”, lançado em Santiago, a Cepal aponta que a tendência de queda no ritmo de redução da desigualdade começou em 2015, após um longo período de avanços consideráveis, sobretudo entre 2002 e 2014, intervalo que coincidiu coma altano mercado internacional dos preços das commodities que a região exporta.

— Por quase uma década, a Cepal pôs a igualdade como fundamento de desenvolvimento. Hoje constatamos novamente a urgência de avançar na construção de um Estado de bem-estar social, baseado em direitos e igualdade, quedê aseus cidadãos acessoa sistemas integrais e universais de proteção social e a bens públicos essenciais, como saúde e educação de qualidade, moradia e transporte. O chamado é para construir pactos sociais para a igualdade — disse a secretária executiva da organização, Alicia Bárcena.

O relatório voltou a destacar a América Latina como a região mais desigual do planeta, cenário mantido mesmo na época de maior crescimento e que piorou coma deterioração das condições econômicas. Um exemplo disso é o próprio Brasil, onde, em 2002, o índice de Gini,que mede a desigualdade social, era de 0,579 (quanto mais perto de 1, mais desiguala nação ), passando a 0,514 em 2014, mas registrando nova alta e chegando a 0,540 em 2018. Hoje, o Brasil é o país mais desigual da região e um dos poucos, ao lado de Argentina e Equador, onde o índice deGi ni teve alta. P orou trolado, a Bolívia, que em 2002 era a nação mais desigual da América Latina, com índice de Gini de 0,612, viu o índice cair para 0,438 em 2018.

CONCENTRAÇÃO DE RIQUEZA

Contudo, a própria Cepal alerta que a desigualdade é bem maior se forem levados em conta outros indicadores além da renda declarada nas pesquisas domiciliares, como informações das declarações de Imposto de Renda, que levam em conta, por exemplo, ganhos financeiros.

Usando essa fórmula ampliada, o índice de desigualdade no Brasil em 2014, que foi nominalmente de 0,514, passaria a 0,607, oque põe o paí sem uma faixa de desigualdade extrema. Um outro exemplo diz respeito ao 1% mais ri coda população: pela pesquisa que leva em conta apenas a renda declarada, essa faixa fica com 9,1% da riqueza nacional no Brasil. Incluindo-se os dados tributários, o indicador sobe para 27,5%. No Chile, a riqueza detida pelo 1% mais rico passa de 7,5% para 26,5% se incluídos ativos financeiros.

Segundo Bárcena, a redução da desigualdade é crucial para cumprir as metas da Agenda 2030, que prevê a eliminação da fome e da pobreza.

— É necessário crescer para igualar e igualar para crescer. A superação da pobreza na região não exige apenas crescimento econômico, ela deve estar acompanhada por políticas fiscais ativas e de distribuição de renda — afirmou.

— O chamado é para construir pactos sociais rumo à igualdade.

Outro ponto destacado pelo relatório é a pobreza. Os números retratam uma queda sensível ocorrida entre 2002 e 2017, quando o percentual de pobres passou de 70,9% para 55,9% da população regional, como crescimento das pessoas com renda considerada média (26,9% para 41,1%).

Porém, desde 2015 o ritmo de redução da pobreza vem caindo. Segundo a Cepal, naquele ano 30,1% da América Latina viviam abaixo da linha da pobreza, ou 174 milhões de pessoas, e 10,7% delas em situação de extrema pobreza (52 milhões). Para 2019, a previsão é sombria: 191 milhões de pessoas abaixo da linhada pobreza, das quais 72 milhões em situação extrema — seis milhões amais do que em 2018.

O relatório mostra que esse aumento pode ser creditado em especial a dois países: Venezuela e Brasil, com os demais registrando queda no número de pessoas em situação de pobreza, muito embora a redução venha sendo menor do que no início da década. Os mais atingidos são as crianças, adolescentes, mulheres, indígenas e afrodescendentes, além dos moradores em áreas rurais e os desempregados.

No caso brasileiro, o aumento da pobreza se deu sobretudo pela queda na renda das famílias nos últimos anos. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), 6,5% da população são considerados miseráveis, com renda diária inferiora US $1,9, o que corresponde a 13,5 milhões de pessoas.

IMIGRAÇÃO DISPAROU

A Cepal pede, ainda, políticas para a imigração que incidam sobre as causas que levam as pessoas a saírem de seus países em busca de uma vida melhor. De 2010 a 2019, o número de imigrantes na região passou de 30 milhões para 40,5 milhões, 15% do total mundial, em grande parte por causa do colapso econômico e social venezuelano, mas também por causada emigração de centro americanos. A maior parte dos imigrantes (70%) se movimentou dentro da América Latina. Eles também causam impacto financeiro nos países de origem, através do envio regular de dinheiro, ajudando a reduzir de forma substancial os índices de pobreza.