O Globo, n. 31544, 18/12/2019. Sociedade, p. 30

Anvisa proíbe gordura trans em alimentos

Felipe Moura
Constança Tatsch


A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) decidiu ontem, por unanimidade, proibir o uso das gorduras trans industriais em alimentos a partir de 2023.

Com a medida, o Brasil se torna o 50º país no mundo a adotar esse tipo de restrição, aliando-se ao objetivo da Organização Mundial da Saúde (OMS) de eliminar a substância produzida industrialmente em três anos. Além de vários países europeus, EUA, África do Sul, Índia, Canadá, Argentina, Chile e Colômbia já adotaram leis que limitam o uso desse tipo de gordura.

— O mundo tende ao banimento da gordura trans. Há uma gama de doenças que vêm [como consequência da ingestão da gordura] e encurtam a vida, como a hipertensão, outras de ordem metabólica, sobrepeso — afirmou a relatora da resolução no órgão, Alessandra Bastos Soares.

Também conhecida como gordura vegetal hidrogenada, ela é amplamente utilizada pela indústria para aumentar o prazo de validade e dos alimentos e deixá-los crocantes e mais palatáveis. A lista dos produtos que contêm a substância é grande, e inclui sorvetes, pipoca de micro-ondas, biscoitos, margarinas e congelados.

Além disso, a gordura trans está presente no preparo de alimentos em restaurantes, lanchonetes, bares e por vendedores ambulantes.

— Temos evidências convincentes de que o consumo de ácidos graxos trans acima de 1% do valor total da dieta afeta fatores que desencadeiam as doenças cardiovasculares — explica Thalita Lima, gerente-geral de alimentos da Anvisa.

Outras evidências científicas afirmam que a substância também aumenta os índices de colesterol ruim (LDL), diminui o bom (HDL) e causa inflamações no organismo.

Eliminação em duas fases

A decisão da Anvisa estabelece um cronograma para a indústria eliminar a gordura trans de seus produtos. A partir de julho de 2021, fica estabelecido o limite de 2% nos óleos refinados e nos alimentos comercializados em geral. A partir de janeiro de 2023, ela será banida.

Até hoje, no Brasil, não havia nenhum tipo de proibição para a quantidade de gordura trans nos alimentos industrializados e óleos vegetais. Assim, é possível encontrar produtos que têm muito mais do que 2%. Uma projeção da própria Anvisa aponta que o Brasil poderia se tornar o país da América com o maior volume de mercado de óleos e gorduras parcialmente hidrogenados, ultrapassando os EUA.

As diretrizes da OMS determinam que a substância deve representar, no máximo, 1% do valor energético de uma dieta. No entanto, estudos recentes têm apontado que a média de consumo entre os brasileiros está entre 1,4% e 1,8%. Segundo a Anvisa, pessoas com baixa renda são as mais vulneráveis, pois os produtos ricos em gordura trans costumam ser mais baratos.

O diretor de Assuntos Regulatórios e Científicos da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos( A bia ), Alexandre Nova chi, afirma que a associação está“satisfeita” coma decisão eque o prazo oferecido visa atender todo o setor.

— Para as empresas associadas, o prazo é mais do que suficiente porque elas vêm se movimentando há anos na redução da gordura trans nos alimentos industrializados. Existe um acordo voluntário desde 2008 que já retirou mais de 310 mil toneladas de gordura trans do mercado. Mas é preciso considerar todo o universo. Já a nutricionista Laís Amaral, do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), considera que o prazo dado é muito longo.

— A gordura trans é restrita e banida há algum tempo em outros países, e há evidências cientificas robustas de que não há limite seguro de consumo, não oferece nenhum benefício, pelo contrário. A norma é uma vitória para o consumidor brasileiro, mas, como a questão é discutida há muito tempo, achamos que o prazo é muito longo. É uma questão de saúde pública.

Alternativas

A discussão para eliminar as gorduras trans industriais já existe há anos e, por isso, foram elaborados substitutos — substâncias e tecnologias — que variam conforme o alimento.Assim, não deve haver impacto em textura, sabor ou valor dos produtos oferecidos aos consumidores.

— Você tem algumas alternativas, como o óleo de palma, o processo de transesterificação, ou pode substituir por espessantes e estabilizantes. Já existe tecnologia, mas é necessário achar a melhor alternativa para cada produto, cada público — afirma Novachi, da Abia.

Para a engenheira de alimentos Cassandra Massignan Avellar, que trabalha com consultoria em desenvolvimento de produtos e segurança alimentar, há muita pesquisa, mas não consenso sobre o substituto.

— O que está por vir é o óleo de girassol, com aplicação de uso industrial, após passar por processos físicos. Usam a gordura de palma, mas também não é recomendada: dá “crocância”, maciez, aumenta a vida de prateleira, porém faz tão mal quanto a gordura trans.