O Estado de S. Paulo, n. 46907, 22/03/2022. Notas & Informações, p. A7

Transparência não é favor


 

No fim da semana passada, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou pedido do presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para que fosse estendido, mais uma vez, o prazo estabelecido pela Corte para que fosse dada “ampla publicização dos documentos embasadores da distribuição de recursos das emendas do relator-geral do Orçamento (RP-9) no período correspondente aos exercícios de 2020 e 2021”.

Em ano eleitoral, as lideranças do Congresso pretendiam ganhar mais tempo para manter ocultos os critérios de favorecimento de uma casta de parlamentares aquinhoados com verbas do “orçamento secreto”, escândalo revelado pelo Estadão em maio do ano passado. A ministra entendeu se tratar de um pedido meramente protelatório e, em boa hora, o indeferiu, alegando não haver “razões legítimas e motivos razoáveis” para a concessão de uma dilação do prazo definido pela Corte para cumprimento não apenas de uma decisão judicial, mas de um comando da própria Constituição. É sempre bom lembrar que, em uma República democrática, como é o Brasil, a transparência é a regra e o sigilo, exceção.

Em 17 de dezembro de 2021, o plenário do STF decidiu que o prazo de 90 dias corridos era “adequado e suficiente” para que o Congresso adotasse as medidas necessárias à garantia da ampla publicidade dos critérios de distribuição das emendas RP-9. Prazo anterior já havia sido concedido pela Corte e, durante o período, o Congresso nada fez para cumprir a decisão judicial e dar transparência ao processo.

Até hoje, desde quando o País tomou conhecimento do “orçamento secreto”, não se sabe exatamente quem pediu, quem autorizou e quem recebeu volume tão impressionante de recursos públicos – são mais de R$ 16 bilhões sendo negociados fora de quaisquer controles institucionais.

A bem da verdade, o pedido formulado pelo senador Rodrigo Pacheco foi orientado por razões de natureza eminentemente políticas, não técnicas. É evidente que, se quiser, o Congresso tem condições de revelar todos os dados sobre a distribuição de recursos orçamentários por meio das emendas RP-9. Não o faz porque não quer, simples assim. Há desejo dos beneficiários em manter a opacidade sobre a origem e o destino de tantos bilhões de reais.

Outro escândalo revelado pelo Estadão na semana passada – a falta de transparência no manejo de recursos do bilionário Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) por lideranças do PP, como o presidente da Câmara, Arthur Lira, e o chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira – mostra que há grande disposição de um grupo de parlamentares em manter ao abrigo do escrutínio público o manejo das verbas do Orçamento.

Chega de mistério e esquemas antirrepublicanos. A decisão do STF tem de ser cumprida pelo Congresso sem mais delongas ou discussões. Enquanto não houver ampla transparência sobre a execução do Orçamento, não se pode condenar quem suspeite de interesses espúrios por trás da conduta de alguns parlamentares. E essa nuvem de suspeição é péssima para a democracia.