O Estado de S. Paulo, n. 46906, 21/03/2022. Economia & Negócios, p. B2

Atenuantes para os efeitos da guerra no Brasil

Claudio Adilson Gonçalez


 

Como disse Thomas L. Friedman, do New York Times, na guerra da Ucrânia deve-se esperar o inesperado. Ou seja, além das surpresas já observadas até agora, tais como os erros de avaliação e planejamento militar da Rússia, a heroica resistência ucraniana e a união do Ocidente contra a aventura megalomaníaca de Putin, é praticamente impossível fazer previsões sobre a evolução e como e quando se dará o fim do conflito.

Já se escreveu muito sobre os efeitos nocivos dessa guerra na economia brasileira. Tememse, com razão, os impactos negativos para o crescimento e para a inflação, principalmente os decorrentes das altas dos preços dos combustíveis, do trigo e dos fertilizantes. Mas fala-se pouco das atenuantes que podem amenizar, se bem que não anular, tal cenário. Vejamos.

Do ponto de vista global, como destacou Paul Krugman (prêmio Nobel de Economia de 2008), tomado a dólares constantes (base janeiro de 2022), o preço internacional do petróleo ainda está muito aquém do alcançado na segunda metade dos anos 1970, do pico histórico de maio de 2008 e até mesmo da média do período 2011-2015. Além disso, a economia mundial hoje é muito menos intensiva em petróleo do que há 40 ou 50 anos, quando o forte aumento das cotações provocou inflação e recessão mundo afora. Para cada mil dólares do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, naquela época consumia-se quase um barril de petróleo. Hoje consome-se cerca de 0,4 barril.

A balança comercial brasileira de petróleo e derivados é significativamente superavitária. Em 2021, o saldo positivo foi de US$ 19 bilhões. Em 2013, quando o preço médio do barril estava em torno US$ 120 (a preços de hoje), essa conta registrou déficit de US$ 13 bilhões. Ou seja, agora a elevação do preço do petróleo tende a melhorar nossos termos de troca (relação entre os preços médios das exportações e das importações).

Tem também passado despercebida a provável migração de parte da demanda por instrumentos de dívida russos para brasileiros. A dívida externa bruta brasileira, pública e privada, independente da moeda em que foi emitida, está em cerca de US$ 630 bilhões e a da Rússia é de aproximadamente US$ 460 bilhões.

Outro ponto favorável é que o Brasil é visto pelos investidores externos como um importante exportador de commodities, cujas cotações, de modo geral, tendem a subir durante o conflito.

Tudo considerado, o efeito líquido da guerra é apreciar a taxa de câmbio, o que concorre para mitigar os efeitos inflacionários dos choques de oferta.

Finalmente, como ficou claro no comunicado da última reunião do Comitê de Política Monetária, o Banco Central, embora não abdicando de sua missão de perseguir a convergência da inflação às metas, tende a agir com serenidade, evitando choques precipitados na taxa básica de juros que poderiam agravar a crise. 

Economista, Diretor-Presidente da MCM Consultores, foi Consultor do Banco Mundial, Subsecretário do Tesouro Nacional e Chefe da Assessoria Econômica do Ministério da Fazenda