O Globo, n. 31545, 19/12/2019. Economia, p. 31

Novo imposto

Marcello Corrêa
Manoel Ventura
Renata Vieira


O ministro da Economia, Paulo Guedes, voltou a defendera criação de um imposto sobre transações financeiras para compensar uma possível desoneração nas contribuições que hoje empregadores recolhem sobre salários de seus funcionários, o que incentivaria a criação de empregos. Guedes afirmou que o tributo incidiria sobre transações digitais, como pagamentos pelo celular.

As declarações foram dadas ontem, durante entrevista à imprensa em que a equipe econômica fez um balanço do ano e projetou metas para 2020. Segundo Guedes, a ideia de tributar transações nunca deixou de ser considerada pelo seu time. Ele refutou a comparação coma CPMF, sigla para Contribuição Provisórias obre Movimentações Financeiras, que vigorou entre 1998 e 2007 e se tornou extremamente impopular.

— A CPMF virou um imposto maldito, já desde a campanha. O presidente falou assim: “eu não quero esse troço”. E todo mundo, o Congresso, a Câmara, os deputados: “eu não que roesse troço ”. Então, acabou-se. Não quera CM PF, a CPMF não existe. Nós, por outro lado, sempre examinaremos bases amplas. Nós precisamos de bases amplas de incidência — disse Guedes.

Em seguida, o ministro afirmou que a tributação sobrepaga mento sé ideal par atributar a chamada nova economia digital, em que transações podem ser feitassem a intermediação de instituições financeiras. Esse é um dos motivos pelos quais o ministro defende que a ideia é diferente da antiga CPMF, que ficou conhecida como “imposto do cheque”.

— Nunca foi a CPMF, sempre foi tributo sobre transações — disse o ministro, antes de prosseguir com um exemplo. — O Brasil, daqui a um ano, vai poder fazer uma porção de pagamentos com o celular. Você nem vai passar mais em banco. Vaipe garos eu celular e encostar no do outro cara e transferir dinheiro de um para o outro. Como é que você vai tributar essa transação digital? Tem que ter algum imposto que tribute essa transação digital. Então, nós estamos procurando essa base.

Segundo fontes, o estudo do ministério inclui a tributação de serviços digitais, como aplicativos de transporte e streaming de mídia. Mas isso ainda está sendo avaliado.

O impasse sobre a criação do imposto sobre transações foi o principal motivo que levou à queda do ex-secretário especial da Receita Federal Marcos Cintra, principal defensor da ideia. Ele alega vaque o imposto funcionaria bem coma economia digital e incidiria sobre pagamentos pelo celular.

Custo dividido com todos

As comparações do sistema coma antiga CPMF, no entanto, levaram o presidente Jair Bolsonaro a vetar expressamente a criação do tributo.

Na última terça-feira, no entanto, Bolsonaro sinalizou que a ideia não está completamente descartada, ao afirmara jornalistas que“todas as alternativas” estão sobre a mesa, na questão tributária. Ontem, o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), também deu pistas de que o modelo poderia voltara ser discutido, ao dizer que “nada está descartado”:

— Não está nada descartado. O grande drama nessa proposta de IVA (Imposto sobre Valor Agregado) e imposto sobre consumo é o tamanho da alíquota, como criar um imposto comum tanto para serviços quanto para os setores industrial e comercial.

Tributar transações sempre foi o “plano A” da equipe econômica para compensara desoneração da folha de pagamentos desejada por Guedes. O potencial de arrecadação do sistema é o principal atrativo. Quando Guedes se refere a uma “base ampla”, quer dizer que seria possível tributar muitas pessoas cobrando uma alíquota relativamente baixa. Estudos do Ministério da Economia chegaram a simulara aplicação de alíquotas de 0,4%, divididas em cada ponta da operação, por exemplo, na retirada de uma conta e no depósito em outra.

Aumentar abases ignifica, porém, dividir o custo do incentivo para que empresas contratem mais com toda a população. Ou seja, empregadores teriam menos encargos trabalhistas, oque poderia elevar ageração de vagas no mercado formal. Em contrapartida, operações como transferências bancárias passariam a ser tributadas.

— Não importa se é na transação na conta bancária no caixa, no aplicativo, enfim,é um imposto sobre transações nos moldes da CPMF. Mudou o meio, masa ideia do imposto é a mesma — diz Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, que vê na medida um desincentivo à digitalização dos serviços financeiros.

Para o economista João Augusto Salles,especi alista no setor bancário, a proposta de taxar transações financeiras, inclusive as feitas sem a intermediação de bancos, será mais um imposto para a população:

— É semelhante à CPMF, e pega uma curva ascendente na utilização de meios digitais, como o celular, para pagamentos de contas. Os bancos e especialmente as fintechs têm investido nisso. Hoje, o cheque e até mesmo o pagamento em moeda caíram em desuso. Na prática, será mais um tributo para a sociedade.

Congresso une propostas

Ainda não há previsão de quando a proposta será encaminhada ao Legislativo. O governo já decidiu que não encaminhará proposta de emenda à Constituição (PEC) para tratar da reforma tributária. Em vez disso, enviará sugestões a uma comissão especial, formada por deputados e senadores, que será instalada hoje.

Segundo Guedes, houve um “anticlímax” do que poderia ser um conflito entre as reformas. Hoje, duas propostas tramitam no Legislativo, uma pela Câmara, outra pelo Senado.

— Já temos nossa proposta pronta. Nós vamos mandar o conteúdo, eis sova itero processamento político coma nossa equipe e as duas estruturas que já estão lá dentro. Do ponto de vista inclusive de tramitação gira muito mais rápido — disse o ministro.

Ele acrescentou que seria “tolice” enviar uma terceira PEC. O governo planeja enviar propostas de forma fatiada ao Congresso, começando pela unificação do PIS e da Cofins.

— Não é PEC. É tolice jogar uma terceira PEC para tumultuar o jogo — disse Guedes.

A instalação da comissão mista, responsável por produzir um texto que concilie as duas propostas, foi definida em reunião mais cedo entre Guedes, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o presidente do Senado, Davi Alco lumbre (DE M-A P).

A aliança entre Executivo e Legislativo é vista por Guedes como sinal de avanço do trabalho das instituições. Na entrevista, o ministro disseque o Brasil tem uma democracia vibrante eque ela não esteve ameaçada em “nenhum momento” nos últimos anos. Ele afirmou que “jamais hesitou” em relação à firmeza da democracia brasileira.

— O Brasil é democracia vibrante, não houve ameaça à democracia brasileira em nenhum momento — disse.

— Tivemos um aperfeiçoamento institucional brilhante.

Ministro vê ‘avalanche de investimentos’ em 2020

O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou ontem que o Brasil vai viver uma “avalanche de investimentos” em 2020. Segundo o ministro, esses investimentos virão tanto do mercado interno quanto de estrangeiros e atingirão, principalmente, a seara do saneamento. O marco legal do setor está em discussão no Congresso, e um projeto de lei que facilita a entrada de empresas privadas na prestação dos serviços de água e esgoto já foi aprovado pela Câmara. Ainda de acordo com Guedes, isso vai permitir que a economia brasileira cresça pelo menos 2% no ano que vem.

O ministro lembrou que cerca de metade da população brasileira não tem acesso à tratamento de esgoto. O foco do BNDES agora, afirmou, é impulsionar investimentos privados na universalização dos serviços de água e esgoto em todo o país.

— O “S” do BNDES agora é de saneamento. O Brasil tem cem milhões de brasileiros com lixo a céu aberto, sem água, sem esgoto. Como (projeto de lei) foi aprovado agora (na Câmara), isso vai empurrar o Brasil para outro patamar. De um lado, investimentos em saneamento, de outro, investimentos em infraestrutura. Agora, vamos disparar uma onda de investimentos privados internos e internacionais. Vem uma avalanche de investimentos no ano que vem — afirmou Guedes ao fazer um balanço do primeiro ano do governo Bolsonaro.

Ainda segundo Guedes, o PIB brasileiro crescerá, no mínimo, 2% em 2020. Na avaliação do ministro, essa é uma projeção conservadora, e o número pode vir ainda maior:

— No mínimo, 2% ano que vem, mas deve vir mais. Será o dobro desse ano. Se for 1,2% (em 2019), será 2,4%, e isso é conservador da nossa parte.