O Estado de S. Paulo, n. 46904, 19/03/2022. Política, p. A16

Análise: Governo ignora papel fundamental da educação no Brasil

Renata Cafardo


 

Já é consenso entre especialistas do País que, infelizmente, o Ministério da Educação virou instrumento de reeleição do presidente Jair Bolsonaro. Foi lá que a pauta ideológica conseguiu se fortalecer por meio do ex-ministro Abraham Weintraub, cujas declarações lhe custaram processos na Justiça. O pastor Milton Ribeiro se confirmou, com menos alarde, tão danoso quanto o antecessor.

Um ministro que direciona verbas públicas por afinidade política ou religiosa já seria escandaloso em qualquer área, mas, no MEC, é ainda mais desesperador. A educação brasileira vive uma das piores crises da sua história por causa da pandemia e dos mais de 200 dias de escolas fechadas, um recorde mundial. Isso em um país que ainda não havia chegado nem à média de qualidade esperada, se comparado às nações desenvolvidas.

Há crianças que não fizeram qualquer atividade em dois anos, outras tiveram aulas online, mas, mesmo assim, o retrocesso já aparece em diversos Estados. Previsões catastróficas se concretizaram. Estudos mostram aumento de 60% no número de crianças não alfabetizadas, outras tantas mais velhas cuja aprendizagem de Português e Matemática voltou a níveis de dez anos atrás.

E esse MEC que hoje cumpre uma agenda de pastores é responsável por esse cenário. A política de Milton Ribeiro e do governo Bolsonaro é contra a escola pública brasileira. Em quase quatro anos, não é possível citar uma só ação federal que tivesse o objetivo de melhorar a qualidade da educação. Cerca de 90% dos alunos saem da escola sem saber Matemática no Brasil e o governo acha importante montar meia dúzia de escolas militares. E ainda destrói a expertise acumulada durante anos no Inep.

Agora, com a pandemia mais controlada e as aulas presenciais, Ribeiro deveria fazer um “governo itinerante”, como ele citou, ajudando todos os municípios e Estados a recuperar a aprendizagem de seus alunos. Todos. Tentar se redimir do nada feito e consertar o estrago. As escolas precisam de mais tempo de aula, de ajuda socioemocional, de estratégias para reconquistar os alunos que foram embora, entre outras tantas coisas. Mas o ministro prefere dar atenção e milhões de reais para “obreiros da igreja”, ignorando cruelmente o papel fundamental da educação para o desenvolvimento do País. 

Repórter Especial no Estadão e Fundadora da Associação  de  Jornalistas de Educação (Jeduca)