O Globo, n. 31545, 19/12/2019. País, p. 8

Defesa: operação teve ‘truculência desnecessária’
Bela Megale
Juliana Castro
Rayanderson Guerra
Miguel Caballero


As defesas de Flávio Bolsonaro e de Ana Cristina Siqueira Valle, ex-mulher do presidente Jair Bolsonaro, negam as acusações. O advogado do senador, Frederick Wassef, criticou o que chamou de “truculência desnecessária” na operação, referindo-se à busca e apreensão na loja de chocolates da qual Flávio é sócio:

— Houve uma truculência desnecessária. Eles arrombaram a porta. Não tinha nenhum funcionário. Chegaram cedo e arrombaram a porta causando um dano material grande. Pessoas estranhas adentram numa propriedade privada e vão lá fazer busca e apreensão. Não há essa necessidade. Poderiam ter aguardado chegar uma funcionária que abriria a porta, e eles procederiam a mesma diligência.

Wassef relatou que ele mesmo deu a notícia sobre a operação ao senador e afirmou que a reação de Flávio foi calma:

— A reação do Flávio foi de surpresa, mas sem nenhuma preocupação, porque quem não deve, não teme.

A reportagem procurou novamente o advogado após a divulgação do relatório, mas, até o fechamento desta edição, não o localizou.

Em um vídeo divulgado nas redes sociais, a ex-mulher de Bolsonaro afirmou que não está sendo investigada e diz acreditar que o cumprimento dos mandados de busca e apreensão na casa de seus familiares “é uma estratégia da mídia” para atingir o presidente:

— O Ministério Público veio a Resende, fez algumas buscas e apreensões em alguns familiares meus, mas o mais importante que quero dizer a vocês é que eu, Ana Cristina Siqueira Valle, não estou sendo investigada. Isso é fato. Então, eu acredito que isso seja uma estratégia da mídia para atingir o nosso presidente Jair Bolsonaro. Então, mais uma vez, eu, Ana Cristina Siqueira Valle, não estou sendo investigada. Agradeço muito. Brasil acima de tudo e Deus acima de todos.

Já o tio de Ana Cristina, Guilherme Hudson, falou ao GLOBO em Resende e disse que o processo corre em segredo de Justiça e que não iria comentar a ação.

— Essa investigação transcorre em segredo de Justiça. O fato deles (O MP) terem passado aqui e levado computador e celular é um ato administrativo normal. Levaram o que quiseram, praticamente nada — disse.

Questionado se havia trabalhado como assessor na Alerj, Guilherme confirmou e disse que a informação é “mais conhecida do que bolacha Maria”.

Em Resende, O GLOBO procurou Maria José, Marina Siqueira, Ana Maria de Siqueira, que não quiseram falar, e também Ana Cristina e José Procópio, que não foram encontrados em casa. A reportagem não conseguiu contato com os advogados dos demais alvos da operação.

Realimentado, caso Queiroz dá à oposição discurso que ela ainda não soube formular

De volta às ruas ontem, duas semanas após o Supremo Tribunal Federal (STF) liberar as investigações iniciadas a partir de dados compartilhados pelo Coaf, o caso Queiroz lança novamente a sombra da corrupção sobre a família Bolsonaro. Eleito dias antes de as primeiras notícias sobre o ex-PM surgirem, o presidente ganhou o pleito encarnando a insatisfação popular contra os malfeitos do sistema político. Mas chega ao fim do primeiro ano de mandato com a imagem danificada nessa área.

No início do mês, o Datafolha mostrou que 50% dos brasileiros consideram a gestão Jair Bolsonaro “ruim ou péssima” no combate à corrupção —bem menos gente reprova o governo como um todo (36%, na mesma pesquisa). Na semana passada, o ministro da Justiça, Sergio Moro, tentou atribuir esse número à decisão do STF de revogar a prisão após a condenação em segunda instância. “As pessoas às vezes têm uma percepção geral e atribuem ao governo”, formulou, em entrevista à “Folha de S.Paulo”.

É provável que boa parte dos brasileiros confunda atos do governo com os de outros Poderes, e a libertação de condenados certamente não reforça a ideia de combate à impunidade, mas o governo Bolsonaro já acumula um currículo que justifica a má fama nessa área por demérito próprio, sem precisar de ajuda.

As suspeitas sobre as candidaturas laranjas do PSL, por exemplo, contam com diversas evidências — o escândalo estourou em fevereiro e desde então o presidente decidiu proteger seu ministro do Turismo altamente enrolado.

O caso Queiroz tem um agravante específico: tratase de uma suspeita de corrupção não apenas no governo, mas na própria família do presidente. Flávio, o filho mais velho, é o possível orquestrador da “rachadinha”

em seu antigo gabinete; Carlos também tem contratações suspeitas no seu; e até mesmo cheques destinados à primeira-dama Michelle —dos quais o próprio presidente apressou-se em dizer ser o real destinatário —já foram identificados saindo da conta do ex-PM Fabrício Queiroz. Há ainda a ironia de que a família “antissistema” pode ter adotado justamente uma das práticas mais ordinárias dos desvios da política nacional.

É inevitável imaginar que uma operação de busca e apreensão feita mais de um ano após o surgimento do caso tenha dificuldade de arrecadar provas irrefutáveis, mas o prosseguimento da investigação no mínimo devolve o caso à pauta do dia. É nesse ponto que atinge o presidente numa seara onde ele se acostumou a vencer: a disputa pela narrativa do debate público.

Realimentado, o caso da “rachadinha” mantém à mão de seus adversários algo que eles foram incapazes de formular em todo o primeiro ano de governo. Um questionamento concreto a ponto de ser difícil de responder e simples para que seja complicado de se escapar: e o Queiroz?