O Globo, n. 31546, 20/12/2019. País, p. 6

PM pagou boleto da mulher de Flávio, diz MP

Bernardo Mello
Juliana Castro
Rafael Soares
Daniel Gullino
Juliana dal Piva


Ao descrever as maneiras como o senador Flávio Bolsonaro teria lavado o dinheiro supostamente arrecadado com a prática de “rachadinha” em seu antigo gabinete na Alerj, o Ministério Público do Rio (MP-RJ) cita a ajuda do sargento da Polícia Militar do Rio Diego Sodré de Castro Ambrósio. Ele pagou, em 2016, um boleto no valor de R$ 16,5 mil em nome da mulher de Flávio, referente a uma parcela da compra de um imóvel do casal. À época em que pagou essa parcela, Ambrósio recebia como cabo da PM remuneração líquida de R$ 4,7 mil, menos de um terço do valor do boleto.

Além disso, entre 2015 e 2018, foram identificados depósitos em cheque e transferências bancárias do próprio Ambrósio e de sua empresa, a Santa Clara Serviços, para a conta corrente da loja de chocolates de Flávio, num total de R$ 21,1 mil. O MP afirma que a contabilidade da loja era usada para mascarar dinheiro devolvido por seus assessores na Alerj.

Ambrósio teve os sigilos de dados telefônicos, bancários e fiscais quebrados. Seu sócio na empresa Santa Clara, Claudionor Pereira, foi paraquedista do Exército, assim como o ex-assessor Fabrício Queiroz. A mãe do PM está entre os amigos de Queiroz em redes sociais.

Amizade e panetones

Policial desde 2005, Ambrósio é amigo de Flávio e passou os últimos cinco anos afastado da corporação. Nesse período, trabalhou com políticos, cedido pela PM. De 2014 até 2018, foi lotado na Secretaria estadual de Assistência Social e Direitos Humanos.

Em abril de 2018, após ser decretada a intervenção federal, ele voltou à PM. À época, o estado sofria com déficit de policiais nas ruas e foi determinado que os profissionais cedidos retornassem à corporação. Este ano, foi cedido ao gabinete do deputado estadual Bruno Dauaire, com um salário líquido de R$ 5,5 mil. Atualmente, está lotado na Delegacia de Gestão de Pessoal da Polícia Militar.

Ambrósio é um empresário “bem sucedido” fora da polícia, segundo pessoas próximas. Sua empresa, aberta em 2014, presta serviços de “ronda, com funcionários uniformizados e identificados com crachá, bem como apoio operacional e supervisor” para apartamentos em Copacabana.

Em 2016, o então secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, determinou que Ambrósio fosse investigado por suspeita de que sua empresa cobrava para remover moradores de rua em Copacabana. Uma sindicância foi aberta na PM, masa acusação foi arquivada.

Ao colunista Guilherme Amado, da revista “Época”, o policial disse que pagou o boleto da parcela do imóvel de Flávio como um favo reque, depois, o amigo lhe deu os R$ 16,5 mil em espécie. Afirmou que os depósitos na conta da empresa de Flávio, que se deram sempre em dezembro ou janeiro, são referentes a compras de panetones distribuídos aos clientes no fim de ano.

Não tenho ‘nada a ver com isso’, diz Bolsonaro sobre investigação

Horas depois da publicação das notícias que revelaram detalhes da investigação do Ministério Público do Rio (MP-RJ) sobre a suspeita de “rachadinha” no gabinete de seu filho Flávio quando era deputado estadual no Rio, o presidente Jair Bolsonaro afirmou não ter “nada a ver” com o caso Queiroz.

Enquanto cumprimentava apoiadores ao deixar o Palácio da Alvorada na manhã de ontem, Bolsonaro foi questionado sobre a operação de busca e apreensão em endereços ligados a Flávio e a Fabrício Queiroz na quarta-feira, mas afirmou que só falaria sobre questões indígenas. Depois, ao se aproximar de jornalistas, disse que não tem “nada a ver” com problemas de outras pessoas.

— O Brasil é muito maior do que pequenos problemas. Eu falo por mim. Problemas meus pode perguntar que eu respondo. Dos outros, não tenho nada a ver com isso — afirmou.

Pouco depois, acrescentou que não dá “palpite em decisões de outros Poderes”:

— A imprensa, tenho o maior prazer de conversar com vocês. Quando descamba para pessoal dos outros, não vou responder. Não dou palpite em decisões de outros Poderes.

Mais tarde, Bolsonaro foi questionado novamente sobre a operação, mas não quis comentar detalhes.

— Não. Pergunta para o advogado. Pergunta para o advogado — desconversou.

Questionado sobre a reunião que teve na quarta-feira com o advogado Frederick Wassef, com a presença de Flávio e do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o presidente afirmou que foi para discutir a investigação sobre Adélio Bispo, preso por esfaquear Bolsonaro durante a campanha eleitoral. Wassef defende tanto Flávio na investigação do MP como Bolsonaro no caso Adélio.

— Ele é meu advogado no caso Adélio. Mais alguma coisa? Mais alguma coisa? É meu advogado no caso Adélio.

Advogado de Queiroz deixa o caso alegando ‘foro íntimo’

O advogado Paulo Klein deixou ontem a defesa de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ) na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Em nota, o advogado alega “motivos de foro íntimo” para a decisão.

“Paulo Klein, advogado do senhor Fabrício Queiroz, vem por meio desta nota informar que não mais representa os interesses dele e de sua respectiva família, por questões de foro íntimo, nada obstante tenha plena e absoluta convicção da inocência deles com relação aos fatos ora investigados pelo Ministério Público”, diz a nota divulgada.

A saída do advogado acontece um dia após operação do Ministério Público para cumprir 24 mandados de busca e apreensão em endereços ligados ao senador e a ex-assessores dele na Alerj, entre eles ex-funcionários indicados por Queiroz.

Na quarta-feira, Paulo Klein fez sua última manifestação na condição de defensor de Queiroz, quando classificou de “desnecessária” e “surpreendente” a operação de busca autorizada pela Justiça do Rio.

“A defesa de Fabrício Queiroz recebe a informação a respeito da recente medida de busca e apreensão com tranquilidade e ao mesmo tempo surpresa, pois absolutamente desnecessária, uma vez que ele sempre colaborou com as investigações, já tendo, inclusive, apresentado todos os esclarecimentos à respeito dos fatos”, disse Klein. “Ademais, surpreende que mesmo o MP reconhecendo que o juízo de primeira instância seria incompetente para processar e julgar qualquer pedido relacionado ao ex-deputado o tenha feito e obtido a referida decisão, repita-se, de forma absolutamente desnecessária.”

Segundo a investigação do MP, Flávio nomeava assessores orientados a devolver parte de seus salários para o grupo; o ex-policial militar FabrícioQueiroz fazia toda a operação de recolhimento da remuneração dos funcionários; e alo jade chocolates de Flávio num shopping da Barra da Tijuca e negócios imobiliários do senador serviam para lavar o dinheiro ilegalmente.

Entre as provas apresentadas para sustentar os pedidos de busca da operação de ontem, os promotores do MP identificaram 483 depósitos de pelo menos 13 ex-assessores na conta bancária de Queiroz, por transferência, cheque ou dinheiro em espécie, num total de R$ 2 milhões; outro grupo de ex-assessores que sacavam quase que integralmente o salário; e conversas em aplicativos de mensagem obtidas no celular de uma ex-assessora.

Também aparecem como indícios que completam o esquema, segundo o MP, depósitos em dinheiro na conta da loja de chocolates de Flávio Bolsonaro e a “grande desproporção” de lucro obtidos entre o senador e seu sócio na loja, embora o contrato previsse 50% de cotas para cada um.