O Globo, n. 31546, 20/12/2019. País, p. 13

Bolsonaro deve aprovar fundo eleitoral de R$ 2 bi
Daniel Gullino
Gustavo Maia
Jussara Soares
Natália Portinari


O presidente Jair Bolsonaro sinalizou, na noite de ontem, que sancionará o fundo eleitoral de R$ 2 bilhões proposto no Orçamento de 2020, alegando que, caso contrário, ele poderia ser enquadrado em crime de responsabilidade e sofrer um processo de impeachment. Pela manhã, o presidente havia dito que a tendência era vetar o valor.

Em transmissão ao vivo em uma rede social, Bolsonaro justificou que o artigo 85 da Constituição cita que são crimes de responsabilidade os atos do presidente que atentem contra a Constituição, em especial contra o exercício de direitos políticos, individuais e sociais.

— O Congresso pode entender que eu, ao vetar (o fundo), atentei contra este dispositivo constitucional e instalar um processo de impeachment contra mim. E daí? — disse o presidente.

Bolsonaro disse que se trata de “assunto extremamente delicado” e relatou que vem sendo pressionado a vetar. O presidente reafirmou que pessoalmente é contra o valor e “que não tem de ter dinheiro do fundo eleitoral para ninguém”. Segundo ele, o recurso atrapalha “a renovação política”. Apesar disso, disse que a tendência é sancionar.

— Eu estou aguardando um parecer jurídico final, mas o preliminar é que eu tenho que sancionar. Deu para entender? Vocês querem que eu corra o risco do impeachment, tudo bem. A gente corre o risco de impeachment e veta — disse.

Durante a live, Bolsonaro criticou o deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), que teria afirmado que o próprio presidente propôs os R$ 2 bilhões para o fundo eleitoral. Em outro ataque a uma parlamentar, o presidente disse que foi criticado “por uma gordinha de São Paulo”, mas não citou nome.

— Sou escravo da lei. Maldosamente tem uma gordinha lá de São Paulo, que está me criticando, uma gordinha. E tem um deputado. Vou falar o nome dele porque não é gordinho. Samuel Moreira está me criticando porque eu é que propus 2 bilhões. Deixo bem claro a você: está na lei esse fundo especial de campanha. E está na lei também o seu valor. Não tem um valor fixo, mas diz que não pode ser o inferior de dois anos atrás —disse.

Ex-líder do governo no Congresso, a deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP) postou um vídeo indicando que a proposta de R$ 2 bilhões partiu do governo. “Depois vem malandro dizer ‘infelizmente o texto passou e blá-blá-blá’. Ah, me poupe! Aliás, a orientação do governo Bolsonaro foi sim, a favor. Eu votei contra o fundão”, escreveu.

Pela manhã, Bolsonaro havia afirmado que vetaria o fundo eleitoral de R$ 2 bilhões. Chegou a dizer que procurava uma “brecha” para o veto porque esse valor foi proposto pelo governo, mesmo que contra a sua vontade.

— Aquela proposta que foi, R$ 2 bilhões, é em função de uma lei que tinha. Não é que eu quero isso. Em havendo brecha para vetar, eu vou fazer isso. Por quê? Não vejo, com todo respeito, como justo recurso para fazer campanha — disse Bolsonaro, na saída do Palácio da Alvorada, acrescentando depois: — Tendência é vetar, sim.

Já o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse ontem pela manhã considerar “interessante” o eventual veto do fundo eleitoral.

— Se ele (Bolsonaro) vai vetar sua própria proposta, é uma decisão dele. O governo é que mandou a proposta, nós decidimos, e acredito que (o governo) tenha trabalhado junto com os líderes para que a gente aceitasse a proposta do governo, que para mim era a mais racional.

O parlamentar comentou, também, que a briga interna no PSL é motivada justamente pelo direito adquirido do partido a um volumoso fundo eleitoral — estimado em R$ 202,2 milhões, com o valor reduzido de R$ 2 bilhões.

Bolsonaro, segundo Maia, tenta agradar uma parte da sociedade que, “com razão”, tem críticas ao fundo eleitoral. Ele citou propostas que o Congresso poderia votar para “falar com parte da sociedade”, entre elas o aumento real do salário mínimo:

— Se começar esse jogo de a gente, em vez de priorizar a nossa responsabilidade, priorizar a pressão de segmentos da sociedade, vamos gerar uma insegurança na relação entre o Poder Executivo e Legislativo.