O Globo, n. 31546, 20/12/2019. Economia, p. 30

Maia diz que resposta da Câmara a CPMF ‘será não’
Daniel Gullino
Gustavo Maia
Natália Portinari
Renata Vieira
Cássia Almeida


A possibilidade de criação de um novo imposto sobre transações financeiras focado em pagamentos digitais foi rechaçada ontem pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), mas não foi descartada pelo presidente Jair Bolsonaro. Para Maia, não há espaço para aprová-lo no Congresso. Já Bolsonaro voltou a afirmar que “todas as cartas” estão sobre a mesa.

— A resposta da Câmara vai ser não. Imposto sobre movimentação financeira, com o nome que você queira dar, eu posso dar o nome que você quiser, se quiser agente inventa, apelida — declarou Maia.

Segundo Guedes, o novo imposto serviria para compensar uma futura desoneração nas contribuições que hoje empregadores recolhem sobre os salários de seus funcionários. Ele explicou que o tributo incidiria sobre transações digitais, como pagamentos pelo celular. As declarações foram dadas na quarta-feira, durante entrevista à imprensa.

Maia argumentou que a carga tributária da mão de obra no resto do mundo é menor do que no Brasil e não há CPMF — sigla para Contribuição Provisórias obre Movimentações Financeiras:

— Porque agente tem que criar um instrumento? Qual país razoavelmente organizado organiza o seu sistema tributário com CPMF?

Segundo o presidente da Câmara,“sempre haverá” uma alternativa para financiara desoneração da folha de pagamento, que será estudada pela comissão mista que vai analisara reforma tributária.

Já Bolsonaro afirmou ontem que “todas as cartas estão na mesa” na discussão da reforma tributária, mas ressaltou que um imposto nos moldes da CPMF está “demonizado”:

— A CPMF... Todas as cartas estão na mesa, mas é um imposto que está demonizado.

Por isso, o tema vem sendo tratado com cautela pela equipe econômica. Ontem, em entrevista durante a divulgação do Relatório Trimestral de Inflação (RTI), o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, evitou falar sobre o assunto e disse que o BC não comenta temas fiscais. Ainda assim, afirmou que todo imposto sobre intermediação financeira tem impactos:

— Todo imposto que é aplicado sobre intermediação financeira tem um impacto no sistema financeiro. Então, a gente precisa entender qual o imposto e ver qualé oti pode impacto. Eu entendi que existe um entendimento (do Ministério da Economia) de que precisa ser feita uma troca entre a contribuição patronal e os impostos que incidem sobre o mercado de trabalho, mas infelizmente o BC não comenta temas fiscais.

O uso de transações digitais deve crescera partir de 2020. Em novembro, o BC começará a implementar os pagamentos instantâneos, que serão realizados de forma imediata, 24 horas por dia, sete dias por semana, entre clientes de diferentes bancos e fintechs .OBC trabalha ainda na implementação do chamado Open Banking, ou Sistema Financeiro Aberto, que vai permitir que o cliente concentre, num só aplicativo, diversos produtos que tenha contratado em diferentes bancos, fintechs ou corretoras de investimentos.

Juntas, as duas tecnologias devem ampliar significativamente aba sede transações financeiras em ambiente digital, sobretudo pelo celular. Perguntado sobre a solidez dessa base ante a possibilidade de tributação, Campos Netos e limitou a dizer que o volume de transações aumentará:

— A base (de transações) vai ser muito maior. Um sistema que vai ser instantâneo, interoperável e aberto vai aumenta remuito o volume de transações, mas não vou me pronunciar sobre aparte fiscal.

Comissão tributária abrirá trabalhos com viagem a Paris, diz senador.

A comissão de deputados e senadores que será responsável por analisara reforma tributária abrirá seus trabalhos com uma viagem internacional. O plano foi revelado pelo senador Roberto Rocha (PSDB-MA), indicado para presidir o grupo de trabalho. A expedição incluiria visitas a França, Austrália e Canadá para, segundo o senador, promover um intercâmbio técnico com especialistas no assunto. Rocha disse ao GLOBO que comentou sobre o plano como presidente Jair Bolsonaro.

— Eu, que sou presidente da comissão, estou tentando criar agendas de trabalho. Estive hoje com o presidente da República, conversando sobre o assunto. Eu disse a ele que estou criando uma viagem da comissão, com o pessoal do Ministério da Economia, da Receita Federal, para visitar a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, baseada em Paris). A gente está tentando estabelecer uma agenda para visitar também o Canadá e a Austrália, por sugestão deles — contou o senador.

A viagem ocorreria em fevereiro e duraria cerca de cinco dias, segundo Rocha. O grupo poderia chegar a 15 pessoas, incluindo deputados, senadores e assessores técnicos. Representantes do Ministério da Economia também seriam convidados. Procurada na noite desta quinta-feira, a pasta não confirmou o convite.

A ideia surgiu durante um almoço com um representante da OCDE, o tributarista Piet Battiau.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEMAP), anunciou na quarta feira que a comissão seria instalada ontem, mas isso acabou não ocorrendo. Não há previsão sobre quando o colegiado será formalizado.

O objetivo do grupo de trabalho é produzir um texto que concilie as duas propostas de reforma tributária que tramitam hoje no Legislativo, uma na Câmara e outra no Senado. A comissão também seria responsável por costurar as sugestões do Executivo ao projeto.

Para analistas, velho imposto ganhou um novo nome

A Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras (CPMF) está amaldiçoada. O imposto que foi criado em 1997 e era para ser provisório, como o próprio nome dizia, só foi derrubado no Senado 11 anos depois. O atual governo cogitou a volta da tributação em vários momentos. O ministro da Economia, Paulo Guedes, refuta comparações e diz que o alvo agora é um imposto sobre transações financeiras digitais. Para especialistas, porém, seria a mesma coisa. Segundo o professor de língua portuguesa e literatura Deonísio da Silva, a mudança é uma tentativa de “dourar a pílula” , usando subterfúgios para dissuadir quem o ouve:

— Dar outro nome é um eufemismo. Ele lança mão de uma figura de linguagem para disfarçar a gravidade da coisa, dourar a pílula, mas a pílula será amarga mesmo envolta em papelzinho dourado.

O governo justifica a necessidade de criar o novo imposto com a necessidade de desonerar a folha de pagamento para estimular a criação de vagas. A medida, porém, afetaria o bolso de todos os brasileiros que fazem transações por internet e celular.

Carlos Melo, cientista político do Insper, diz que esse imposto que Guedes chama de outro nome foi “amaldiçoado pelos mesmos setores que estão no governo hoje”.

— Tentar aprovar a CPMF seria morder a língua. A alternativa é chamar de outro nome, imposto sobre transações digitais. Qual transação financeira não é eletrônica hoje? — pergunta Melo.

Ele vê nessas tentativas de emplacar um novo imposto uma estratégia do governo:

— Solta balões de ensaio (dar declarações ou notícias sobre determinado tema para aferir a aceitação da ideia) e, quando repercute mal, e a CPMF sempre repercute mal, o presidente aparece como mocinho e salva todos nós de um novo imposto.

Para Melo, a proposta significaria um revés em relação ao discurso de campanha, contra a criação de impostos.