O Globo, n. 31546, 20/12/2019. Opinião, p. 2

Fortes evidências de crime financeiro atingem Flávio



A aceitação, pelo ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo, de pedido de liminar feito pela defesa do senador Flávio Bolsonaro, para suspender investigações do Ministério Público do Rio de Janeiro sobre o que estava por trás de atípica movimentação financeira do ainda deputado estadual fluminense e do assessor Fabrício Queiroz, não conseguiu jogar o caso no esquecimento. Afinal, já eram conhecidas evidências de que algo ocorrera fora do usual. Não bastasse o fato de o já senador ser filho do presidente Jair Bolsonaro. Goste-se ou não, isso chama a atenção e atrai o foco do jornalismo profissional, por ser de interesse público.

Toffoli estenderia o efeito da liminar a todas as investigações em curso que também se baseassem em informações passadas ao MP pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ), depois rebatizado de UIF, Unidade de Inteligência Financeira. Mais tarde, o plenário do Supremo derrubou a liminar e restabeleceu a legal interconexão entre UIF e Receita com os braços do Estado de investigação e instrução de denúncias à Justiça.

Por isso, voltam a avançar as investigações do inquérito de Flávio Bolsonaro e delas saem contornos nítidos de um esquema com alguma robustez de lavagem de dinheiro. O papel do ex-PM Fabrício Queiroz, amigo da família Bolsonaro, que centralizava o recebimento de boa parte dos salários dos assessores contratados pelo gabinete do deputado, no golpe da “rachadinha”, é de fato central. Queiroz é mantido em virtual clandestinidade.

Para segurança do esquema, eram contratadas pessoas de confiança. Familiares de Queiroz, parentes da primeira mulher do presidente, Ana Cristina Siqueira Valle, moradores de Resende—portanto, funcionários fantasmas —, e ainda foi descoberto um relacionamento próximo, pelo menos de Flávio Bolsonaro, com outro ex-PM, Adriano Nóbrega, miliciano, foragido por ser acusado de participar de grupo de extermínio. Sua ex-mulher, Danielle Mendonça, era uma das pessoas lo tadas no gabinete de Flávio e que não trabalhavam.

O MP conseguiu detalhar a maneira como Flávio Bolsonaro usou uma loja de chocolates de que é sócio em um shopping para lavar din heiro. Também fez operações no mercado imobiliário. 

As descobertas que estão sendo feitas pelo MP no entorno de Flávio Bolsonaro reafirmam o acerto do Supremo de, por dez votos a dois (Toffoli e Gilmar Mendes), restabelecer o compartilhamento livre de informações entre organismos do Estado, para que possam formar opinião e, se for o caso, pedir quebra de sigilo bancário ou fiscal de alguém. É como deve ser.

A liminar ampliada do ministro Dias Toffoli chegou a colocar o Brasil sob suspeição de entidades multilaterais, de que o país é parte, porque barrar o funcionamento desses sistemas de Estado significa ser leniente não apenas com a corrupção, mas com o terrorismo e todo tipo de tráfico. Este é o tamanho que atingiu o chamado "Caso Queiroz".