O Estado de S. Paulo, n. 46891, 06/03/2020. Política, p. A9
 

Pré-campanha de Moro vive fase de ‘separação de corpos’ com o Podemos
Gustavo Queiroz
Luiz Vassallo


 

Um jantar no restaurante do Hotel Intercontinental, na Bela Vista, em São Paulo, encerrou o dia de gravações de peças publicitárias do presidenciável do Podemos, Sérgio Moro, em 25 de fevereiro. A refeição no ambiente praticamente vazio, que fez acompanhado apenas da mulher, a advogada Rosângela Moro, simbolizou, em certa medida, a rotina do ex-juiz na pré-campanha – marcada nos últimos meses por eventos pouco concorridos e sem a presença de líderes partidários.

Desde que se filiou e se lançou na corrida ao Palácio do Planalto, Moro permanece na faixa de 10% nas pesquisas de intenção de voto. Sua agenda de pré-campanha também não deslanchou. O ex-juiz tem participado de eventos com público reduzido, nos quais fala, basicamente, para antigos apoiadores e fãs da Lava Jato. E ainda não conseguiu arregimentar apoios relevantes.

Moro enfrenta desgastes internos no Podemos. Diante dessa situação, ele se cercou de um grupo de confiança, apartado da cúpula do partido. A exemplo do ex-juiz, alguns dos integrantes desse núcleo são novatos em eleições.

O presidenciável tinha delegado a articulação política à presidente do Podemos, Renata Abreu. Além do Movimento Brasil Livre (MBL), composto por entusiastas e correligionários de Moro, nenhum outro acordo relevante foi costurado. “Esses apoios, muitas vezes, são mais relevantes que os partidos”, disse o ex-juiz, em evento do banco Credit Suisse. A relação com o MBL, porém, foi abalada pelos áudios vazados de Arthur do Val (Podemos) – o deputado estadual admitiu que fez declarações machistas sobre mulheres ucranianas. Ele rompeu com o parlamentar, que desistiu da pré-candidatura ao governo de São Paulo.

Segundo relatos colhidos pela reportagem com integrantes da pré-campanha e do Podemos, Moro tem resistido a potenciais acordos partidários. Recentemente, se esquivou de um encontro com o presidente do PSD, Gilberto Kassab. A assessoria de Kassab informou que Renata Abreu o teria procurado – como parte de um esforço para falar com vários partidos –, mas a visita não se concretizou.

O PSD filiou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (MG), com o objetivo de lançá-lo à Presidência. Pacheco indica que não vai disputar o Planalto, e Kassab tenta, agora, atrair o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), fazendo dele o candidato presidencial do partido. A legenda, porém, pode abandonar a candidatura própria para se alinhar ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Após um entusiasmo inicial, parte do Podemos passou a ver com reticências a candidatura de Moro. A direção da sigla tem sido pressionada por parlamentares a não destinar altas quantias à campanha presidencial. Líderes regionais e egressos do PHS – que foi incorporado pelo Podemos – preferem eleger deputados e engrossar a fatia da agremiação partido nos fundos partidário e eleitoral.

Renata Abreu chegou a admitir a possibilidade de Moro migrar para o União Brasil. Líderes do União Brasil, como Luciano Bivar, conversaram com o ex-juiz, mas as negociações não avançaram. Na bancada da nova sigla, que terá quase R$ 1 bilhão em recursos públicos para as campanhas, há resistência ao nome de Moro.

Conta. A falta de sintonia na pré-campanha estimulou aliados do ex-juiz a iniciar a captação de recursos para custear futuras despesas. Moro se tornou inseparável do advogado Luis Felipe Cunha, de quem é amigo há mais de uma década. Cunha nunca se envolveu com campanhas, mas foi nomeado coordenador da pré-candidatura.

“Eu e Sérgio Moro somos amigos há muitos anos e nos conhecemos por intermédio de amigos em comum”, disse o advogado. Especialista em contencioso, ele teve em sua clientela a Petrobras – que esteve no centro da Lava Jato –, o Sesc de Brasília e jogadores de futebol.

Cunha cumpre a tarefa de tentar atrair apoiadores de Moro entre empresários. Ao lado do ex-juiz, o advogado teve encontros com nomes do setor de equipamentos hospitalares. Os dois também se reuniram com o empresário do ramo educacional Wilson Picler. Em 2018, Picler doou R$ 800 mil ao PSL e apoiou a candidatura de Jair Bolsonaro. Cunha ainda tem aproximado Moro de Paulo Marinho, empresário que rompeu com o presidente.

A interlocutores, o advogado tem dito que a meta é arrecadar R$ 25 mil por mês de um universo de aproximadamente 40 empresários. A ideia é ter R$ 1 milhão mensal para a campanha. A investida foi noticiada pelo portal Metrópoles e confirmada ao Estadão por agentes da campanha e do Podemos. Responsável pela comunicação do partido, Fernando Vieira afirmou que a legenda não “separou saldo ou conta apartada”. “Existe essa questão proposta pelo Luis Felipe e pelo Moro. A possibilidade da criação de uma linha de doação para a campanha que tivesse um controle diferenciado de acesso à transparência, embora a transparência do Moro seja altíssima”, disse Vieira.

Equipe. Partiram de Cunha as mudanças no marketing eleitoral. Vieira, primeiro marqueteiro a atuar com o ex-juiz, acabou descartado. Seu posto original ficou com Pablo Nobel. Tem se mantido próximo da pré-campanha também Paulo Vasconcelos, que trabalhou para Aécio Neves (PSDB) em 2014 e, depois, foi delatado por executivos da Odebrecht por supostamente receber doações via caixa 2 em 2014 e 2010.

“Posso dizer que ele (Paulo Vasconcelos) foi uma das pessoas que me sugeriram o nome de Pablo Nobel para o marketing da campanha. Pablo e Paulo são amigos de longa data e tiveram experiências profissionais em conjunto. Hoje, o Paulo está envolvido em um grande projeto no Rio de Janeiro. Mas, como fã do Moro, ele contribui com sugestões para a estrutura de comunicação da campanha”, afirmou Cunha.

Integrantes do Podemos se dizem descontentes com as escolhas, uma vez que o partido já contratou marqueteiros. Um dirigente resumiu o atual momento da relação, ao afirmar que a legenda e a pré-campanha de Moro vivem uma “separação de corpos”.

O advogado de Vasconcelos, Paulo Crosara, disse que as alegações dos delatores são “improcedentes”. “Eles não podem provar o que estão falando, porque não aconteceu, são afirmações para conseguir a delação. Isso será provado na Justiça.” A reportagem não conseguiu contato com Paulo Marinho.

Pré-candidatura

Filiação

O ex-juiz Sérgio Moro se filiou ao Podemos em novembro do ano passado e se lançou na corrida ao Planalto.

Articulação

Alvo de hostilidades de parte do mundo político, Moro delegou a tarefa de costurar alianças à presidente do Podemos, Renata Abreu. 

Grupo de confiança

Agora, o ex-juiz reuniu nomes de confiança, de fora do partido, para conduzir a précampanha, o que tem causado incômodo no Podemos