Correio Braziliense, n. 21362, 10/09/2021. Brasil, p. 6

Grupo na Esplanada desafia Bolsonaro.

Augusto Fernandes 


Depois de se dar conta de que o seu discurso inflamado contra o Supremo Tribunal Federal (STF), nos últimos meses, foi combustível para um protesto de caminhoneiros que militam a favor do governo federal, e que passaram a fechar rodovias federais pedindo a destituição dos ministros da Corte, o presidente Jair Bolsonaro conversou com representantes da classe para tentar reverter a situação e evitar prejuízos para si próprio. Mas, mesmo assim, não conseguiu desmobilizar o movimento. 

Ontem, pelo menos 10 caminhoneiros que estão em Brasília desde o feriado da Independência e bloqueiam a Esplanada dos Ministérios, foram recebidos no Palácio do Planalto pelo presidente e o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas. Mas disseram que não vão abrir mão dos bloqueios nas pistas até que sejam atendidos pelo Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para pressioná-lo a analisar os pedidos de impeachment contra ministros do STF — o que foi remetido por Bolsonaro contra Luís Roberto Barroso foi devolvido ao Palácio do Planalto. 

Agindo sem a anuência de entidades que representam caminhoneiros, os manifestantes fazem jogo duro por entenderem que a Suprema Corte está “extrapolando” as suas competências institucionais e cerceando o direito à liberdade de expressão dos apoiadores de Bolsonaro. Mesmo sabendo dos riscos de desabastecimento de combustíveis e alimentos, esses caminhoneiros querem ir até o fim para não passarem a impressão de que jogaram a toalha. 

“O presidente não nos pediu nada. A gente está aqui manifestando, representando um segmento da sociedade brasileira. A gente estabeleceu uma pauta de entrega de um documento ao senador Rodrigo Pacheco e, até o momento, não tivemos êxito nisso. Permanecemos no aguardo de sermos recebido por ele. Até que isso seja realizado, estamos mobilizados em todo o Brasil”, afirmou Francisco Dalmora Burgardt, conhecido por Chicão Caminhoneiro. 

Cleomar José Immich, que também esteve na reunião, disse que o Senado tem “a obrigação de atender e tentar resolver a nossa questão”. “A insatisfação do povo brasileiro com o Judiciário seria isso. O único poder político foi o Executivo, que nos abriu as portas para entender o que estava acontecendo, e o porque disso”, destacou. 

“Nós somos brasileiros, patriotas, caminhoneiros — nesta sequência. Nossa pauta é contra o STF. Nós queremos que todas as forças, todos os poderes políticos, trabalhem dentro da Constituição. É só isso”, completou. 

Os caminhoneiros ingressaram com uma ação no Superior Tribunal de Justiça (STJ) pedindo autorização para continuar na Esplanada até o dia 20 — que foi rejeitada por não ser o foro adequado. Eles também solicitaram que o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, seja impedido de retirar os manifestantes do local e que seja concedido salvo-conduto a todos os caminhoneiros. 

Elogios 

Bolsonaro não repudiou o movimento dos caminhoneiros e disse que eles “já fizeram uma coisa fantástica” por terem aderido aos protestos do 7 de Setembro. “Eu não vou influenciar na vida deles. Foi fantástico o que eles fizeram por livre e espontânea vontade, gastando dinheiro do próprio bolso. Deram um recado enorme para todos nós, que estamos aqui em Brasília, de todos os Poderes. E qual recado que deram? Que nós devemos respeitar a Constituição”, disse o presidente, em live nas redes sociais, ontem à noite. 

No entanto, Bolsonaro alertou que os bloqueios não podem durar até a próxima semana. “Fui bem claro. Se passar de domingo, segunda e terça, começa a ter problema seriíssimo de abastecimento. Influencia na economia, aumenta a inflação. Os problemas se voltam contra nós”, ponderou. 

Ainda na live, o presidente tentou se justificar: “Os caras querem que eu tome medidas de imediato. Dá um tempo! Dá aí uns dois, três dias para a gente. Dá um tempo! O que aconteceu de imediato: você quer a gasolina mais barato, não quer? Álcool, gás, isso tudo está indexado no preço do dólar”, destacou. 

De acordo com o Ministério da Infraestrutura e a Polícia Rodoviária Federal (PRF), até as 17h de ontem foram registrados pontos de concentração em rodovias federais de 10 estados, com pontos isolados em outros cinco, mostrando que o movimento já estava bem desmobilizado. Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná foram os locais que mais registraram bloqueios. 

O ministério também mapeou mais de um ponto de aglomeração de caminhoneiros em Rondônia, Mato Grosso do Sul, Bahia, Pará, Mato Grosso, Goiás e Tocantins. Além disso, rodovias nos estados de Maranhão, Minas Gerais, Roraima, Piauí e Rio de Janeiro registraram impactos no trânsito por conta dos bloqueios. (Colaborou Ingrid Soares) 

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