O Estado de S. Paulo, n. 46886, 04/03/2020. Política, p. A8
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​PF investiga Bolsonaro por fala que liga vacina à AIDS
Pepita Ortega


 

A Polícia Federal informou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que abriu inquérito para investigar suposta ocorrência de crimes nas declarações falsas feitas pelo presidente Jair Bolsonaro sobre relação entre a vacina contra a covid-19 e a infecção pelo vírus da aids. A desinformação foi espalhada pelo presidente em 21 de outubro, um dia depois do pedido de indiciamento dele feito pela CPI da Covid ao Supremo, por 11 crimes ligados a sua conduta frente à pandemia.

Em uma transmissão ao vivo, Bolsonaro leu texto de um site conhecido por espalhar desinformação sobre vacinas e teorias da conspiração na internet. “Relatórios oficiais do governo do Reino Unido sugerem que os totalmente vacinados – quem são os totalmente vacinados, aqueles depois da segunda dose, 15 dias depois – estão desenvolvendo a Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (Aids) muito mais rápido do que o previsto.”

Em resposta a agências de checagens, como o Estadão Verifica, o Departamento de Saúde e Assistência Social do Reino Unido e o Public Health England disseram que nenhum relatório do governo britânico tinha essa conclusão e que o boato tinha se originado em site que propaga “fake news”.

Em ofício endereçado ao ministro do Supremo Alexandre de Moraes, que determinou a abertura da apuração, a delegada Lorena Lima Nascimento, da Coordenação de Inquéritos nos Tribunais Superiores, informou sobre a instauração oficial da investigação na PF, e solicitou o compartilhamento de dados de uma apuração feita pela Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre o caso.

Compartilhamento. O documento datado do dia 25 de fevereiro, mas que chegou ao Supremo ontem, também pede acesso aos autos da investigação em que a PF atribuiu a Bolsonaro violação de sigilo funcional após o compartilhamento de inquérito sigiloso sobre ataque hacker aos sistemas internos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nas eleições 2018. A PGR defende o arquivamento dessa apuração.

Em dezembro, Moraes proferiu duas decisões sobre o caso. A primeira, determinando a abertura da investigação sobre as falas do presidente. Depois, ordenou o trancamento de uma notícia de fato (apuração preliminar) que tramitava na Procuradoria-Geral sobre o caso, para a regularização do procedimento, com o devido “controle judicial” pela Corte. Segundo o ministro, é “indispensável” que toda e qualquer medida relacionada às investigações seja devidamente formalizada nos autos que tramitam no Supremo.

Em ambos os despachos, o ministro indicou que havia justa causa para abertura da investigação, por considerar que “há dúvidas de que as condutas do presidente da República, no sentido de propagação de notícias fraudulentas acerca da vacinação contra a covid-19, utilizam-se do modus operandi de esquemas de divulgação em massa nas redes sociais, revelando-se imprescindível a adoção de medidas que elucidem os fatos investigados”.