Correio Braziliense, n. 20692, 17/01/2020. Brasil, p. 6

Pobres têm acesso mais difícil a emprego

André Phelipe
Catarina Loiola



Uma pessoa de classe alta tem cinco vezes mais chance de conseguir emprego, caminhando apenas 30 minutos de casa até a oportunidade, do que alguém de classe baixa, em Brasília. A diferença coloca a capital em sexto lugar no ranking de desigualdade de acesso ao trabalho, entre as 20 maiores cidades do país. Em primeiro lugar está São Paulo, na qual os 10% mais ricos têm nove vezes mais chance de se candidatar a uma vaga do que os 40% mais pobres. Em Maceió, a desigualdade é a menor entre as cidades pesquisadas: rico tem 1,7 vez mais oportunidade de trabalho acessível a pé que o pobre.

As estimativas são do projeto Acesso a Oportunidades, desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em parceria com o Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP). A pesquisa não considerou nos índices de Brasília o transporte público, pois a Secretaria de Transporte e Mobilidade do Distrito Federal (Semob-DF) não informou os dados a tempo. Questionada sobre o motivo, o órgão não se pronunciou. Também não se considerou, no levantamento de Brasília, o funcionalismo público porque nem sempre o servidor trabalha no exato local declarado pelas secretarias do Governo do Distrito Federal.

De acordo com o pesquisador Rafael Pereira, a distância entre a casa e as oportunidades de emprego influenciam em todos os aspectos da vida das pessoas. Tal qual na chance de sair do desemprego, de conseguir atendimento hospitalar ou de acessar a educação.

“O pobre gasta muito mais tempo se locomovendo que o rico. Uma pessoa que mora na Asa Sul não precisa de ônibus ou metrô para chegar até o destino. Mas, em locais mais distantes do centro, como em Sobradinho, onde o transporte público é precário, o acesso é muito mais difícil”, compara.

O pesquisador explica que o material deve funcionar como um guia para o planejamento e avaliação de políticas públicas, que promovam cidades integradas com a rota de transportes.

“Tradicionalmente, quando se conversa com algum secretário, o principal objetivo da política de transporte é diminuir o tempo de estadia no trânsito. Mas devemos repensar o objetivo. O foco precisa ser como aumentar o acesso. Quando se pensa em reduzir o tempo no trânsito, quer colocar o público andando. Quando se aumenta o acesso, isso também acontece, mas aumenta a proximidade entre as pessoas e as oportunidades.”

A pesquisa mostra que a concentração de atividades nas áreas urbanas, em adição à performance das redes de transporte, garante altos níveis de acessibilidade ao centro das cidades, enquanto regiões de periferia são marcadas por desertos de oportunidades. As informações sobre as 20 cidades pesquisadas estão disponíveis em uma plataforma interativa. É possível consultar por cidade, meio de transporte e atividade, sendo trabalho, saúde ou educação.

Educação e saúde

O acesso à educação em Brasília tem particularidades em relação ao que ocorre nas outras cidades pesquisadas. Para chegar até uma escola pública de ensino médio, as pessoas de baixa renda demoram em média entre 10 e 15 minutos de bicicleta, menos tempo que as de classe alta. Segundo Rafael Pereira, a diferença é porque em regiões de classe mais alta, como Jardim Botânico ou Park Way, não há a presença de escolas públicas, já que os estudantes da região frequentam a rede privada. A pesquisa classifica essa diferença como autossegregação espacial de grupos de alta renda.

Isso também se verifica em Campinas, em Salvador e em São Paulo, onde a população mais rica precisa de mais tempo que a mais pobre para acessar a escola. Já em Belém e Duque de Caxias (RJ), as camadas mais modestas andam mais: nestas cidades, os 20% mais pobres precisam gastar, em média, o dobro de tempo dos 20% mais ricos para acessar a escola mais próxima de casa. Em cidades como Fortaleza, Recife, Curitiba e Rio de Janeiro, não há diferenças significativas de tempo mínimo entre pessoas de baixa e alta renda.

De acordo com Pastor Willy Taco, professor de mobilidade urbana da Universidade de Brasília, a capital do país é desigual estrutural e espacialmente, privilegiando a área central. “É uma questão de mercado, porque quem pode alugar apartamentos na Asa Norte terá melhores acessos do que uma pessoa que não pode. O Plano Piloto em si, ainda que tenha dificuldades, oferece melhores condições que as regiões administrativas”, afirma.

Em relação ao acesso aos hospitais na capital, em todas as cidades pesquisadas a população branca tende a ter mais fácil acesso aos serviços de saúde do que a população negra. Em cidades como Campinas, Curitiba e Belo Horizonte, por exemplo, o número de hospitais de alta complexidade acessíveis a pé pela população branca é mais do que duas vezes maior do que os acessíveis pela população negra. Em Brasília, a diferença é de 1,2 vez entre a população branca e negra.

“Equipamentos de saúde de alta complexidade tendem a ser mais concentrados em regiões centrais da cidade, o que faz com que a população negra, geralmente moradora da periferia, tenha níveis de acessibilidade mais baixos que a população branca”, salienta o estudo.

Preconceito com local de moradia

A desigualdade social afeta diretamente Cícera Jocelany dos Santos, 34 anos, moradora da Estrutural, que não consegue a carteira de trabalho assinada por morar em uma região pobre e que não concentra grandes empresas. Se morasse em um lugar mais próximo das oportunidades de trabalhar, acredita que as chances seriam melhores e mais diversificadas.

“Já perdi as contas de quantas vezes eu não consegui o emprego porque moro longe. Boa parte dos serviços com salários maiores são distantes”, acrescentando que o sofrimento ainda é agravado pela ausência de transporte público de qualidade.

“Não me ajuda em quase nada. Quando preciso, demora muito pra passar”, criticou.

Também moradora da Estrutural, Maria Aparecida Viana, 44 anos, perdeu as contas de quantas vezes foi mal atendida nos hospitais públicos. Na visão dela, isso ocorre por conta de sua condição social. Depois de ser atropelada em uma faixa de pedestre, enquanto se deslocava para catar material reciclável no lixão, ficou dias sem ser atendida com a perna quebrada.

“Demorou demais para sair a cirurgia, e quando finalmente saiu já estava tudo infeccionado. Quase perdi minha perna por conta da irresponsabilidade deles”, acusa.