Correio Braziliense, n. 20685, 10/01/2020. Opinião, p. 9

Reforma do Teatro Nacional: por fora bela viola; por dentro, pão bolorento

Jorge Antunes



Imagine, caro leitor, você num teatro assistindo ao concerto de uma orquestra que toca a Quinta Sinfonia de Beethoven.

De repente, simultaneamente ao início do segundo movimento da obra, soa, ao fundo, a flauta de um belo chorinho de Patápio Silva. Eu já vivi essa inusitada experiência de ecletismo musical pós-moderno e politonal: o andante con moto de Ludwig é em lá bemol maior, e o chorinho de Patápio é em sol maior. A interessante experiência musical eu a vivi na Sala Villa-Lobos do Teatro Nacional há cerca de 20 anos. Na Villa-Lobos se apresentava a Orquestra do Teatro e na Sala Martins Pena, simultaneamente, era realizado um recital de flauta e piano.

A parede que separa uma sala da outra não cumpre com as determinações do projeto original, que o arquiteto consultor de acústica elaborou em 1976. O arquiteto Igor Sresnewsky desenhou, na planta, uma parede com ummetro de espessura, em forma de sanduíche: camadas de tijolos maciços nas duas faces, ladeando uma massa compacta de lã de vidro. Infelizmente essas especificações do projeto acústico não foram cumpridas e, assim, era comum, quando o Teatro era usado, termos os sons de uma sala vazando para a outra sala. Acho que esse absurdo não foi um dos motivos que os bombeiros alegaram para o fechamento do Teatro em 2014.

O atual secretário de Cultura, imagino, deve ser uma daquelas pessoas que adoram olhar a bela pirâmide, pelo lado de fora. Esse tipo de contemplação é muito comum, principalmente para os turistas que nos visitam para admirar os troncos de cubo de Athos Bulcão que ornam o exterior da bela pirâmide, pouco se importando com os absurdos acústicos de seu interior.

Na entrevista que deu ao programa CB. Poder, publicada no Correio Braziliense (7/1), o secretário mostra sua admiração pelas cascas arquitetônicas, pouco se importando com as funcionalidades e conteúdos. Ele afirma:“É importante trazer de volta essa pérola arquitetônica”. E mais adiante, comentando a prioridade que será dada à Sala Martins Pena, ele completa: “Nós temos, fora isso, a recuperação da parte externa: o teatro está sujo, está feio”.

Na entrevista, o secretário disse que o Teatro precisa de restauração especial porque “é uma obra de Niemeyer e a parte externa é de Athos Bulcão, então é uma situação que tem que ser tratada com muito cuidado”. Essas afirmações são muito preocupantes, porque toda a comunidade artística preferiria ouvir afirmações diferentes, tais como:“É uma obra de Igor Sresnewsky, então é uma situação que tem que ser tratada com muito cuidado”.

Todos os artistas que se apresentaram na Sala Villa-Lobos, regentes, orquestras, solistas, sempre foram unânimes em criticar a acústica do teatro. A má difusão sonora não permite audição satisfatória em vários pontos da sala. Sons de uma sala vazam para a sala vizinha. O forro do teto, em vez de refletir distributivamente o som por toda a sala, trata de absorver enorme energia sonora. A má qualidade acústica de um teatro em que a difusão sonora é precária, é também prejudicial aos músicos da orquestra. Não são raros os casos de danos auditivos, problemas de saúde, surdez e aposentadorias precoces.

A orquestra é uma fonte sonora que ocupa um espaço de aproximadamente 84 metros quadrados. Para equilibrar a sonoridade da orquestra em uma sala de péssima acústica, muitas vezes o regente exige de um dos naipes uma intensidade que se aproxima dos 110 dB, lesionando o sistema auditivo dos músicos vizinhos.

Igor Sresnewsky (1913-1996), arquiteto consultor em acústica, realizou um projeto para a Secretaria de Cultura do DF em 1966 e 1967, que incluía os mais importantes e imprescindíveis detalhes para a acústica ideal que nosso teatro merecia e merece. Infelizmente a falta de dinheiro e a pressa em inaugurar fizeram com que, na hora da construção, tudo fosse abandonado. Uma enorme lista de itens que faltam no teatro pode ser observada no projeto original: posição dos elementos refletores nas paredes laterais, detalhes das eclusas, estudo de reflexões do som, determinação dos planos refletores, forro acústico com microfone e alto-falante de ambiofonia, fechamento entre palcos etc.

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» JORGE ANTUNES

Compositor, maestro, membro da Academia Brasileira de Música, autor da ópera Olga e da Sinfonia das Diretas