Correio Braziliense, n. 20623, 09/11/2019. Economia, p. 7

Reforma não afeta juízes e procuradores

Vera Batista


Juízes, procuradores e parlamentares devem ficar de fora, pelo menos num primeiro momento, da reforma administrativa que o governo deve encaminhar ao Congresso nos próximos dias. A razão é que, de acordo com a Constituição, o Executivo não pode tratar de questões que envolvam prerrogativas ou benefícios dos membros dos demais Poderes. Somente o Congresso Nacional, a  Procuradoria-Geral da República (PGR) e o Supremo Tribunal Federal (STF) podem cuidar do assunto — em suas respectivas carreiras, afirmam membros do Judiciário e do Ministério Público.

Dessa forma, estão fora do alcance da reforma questões como a redução de férias de 60 dias para 30 dias, auxílio-moradia, ressarcimentos de vantagens retroativas ou extinção de eventuais “penduricalhos” que aumentam os ganhos mensais daquelas categorias.  “É claro que, se o Supremo tem competência para definir o regime jurídico da magistratura, cabe a ele qualquer iniciativa dessas mudanças”, diz Fernando Mendes, presidente da Associação Nacional dos Juízes Federais (Ajufe).

Juízes e procuradores, em consequência do regime diferenciado, explica Mendes, “não têm jornada de trabalho” — horário de expediente para entrar e para sair. “Então, se forem alterar férias, o que vai substituí-las? Vão se pagar horas extras para magistrados que trabalham à noite, que trabalham no fim de semana? Por isso, essa reforma que o Executivo quer fazer não pode atender a juízes e procuradores. Magistrado não é servidor público, é membro de um Poder. Seria incoerência o Executivo querer mudar as férias de deputados e senadores”, diz Mendes.

Victor Hugo Azevedo, presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) destaca que é preciso, em primeiro lugar, deixar claro o que alguns chamam de “penduricalhos” e o que significa deixar de pagar o que um membro do Judiciário ou do MP recebem por merecimento. “Existem direitos que foram sonegados por anos. Normalmente, o órgão deixa de pagar algum benefício, que fica ali reservado para quando houver recursos disponíveis. Não pagar as verbas atrasadas seria institucionalizar o calote. O próprio mercado tem mecanismos para cobrar do cidadão quando ele deve, com juros e correção monetária. Por que conosco seria diferente?”, enfatiza Azevedo.

Estratégias

Segundo o presidente da Conamp, os membros do Judiciário e do MP estão apreensivos com a forma como estão sendo conduzidas as estratégias de comunicação da reforma administrativa, com sigilo do conjunto de medidas, mas, ao mesmo tempo, com constantes vazamentos pontuais. “Todo o serviço público está muito preocupado com as alterações, porque todos os governos que chegam agem como se o funcionalismo fosse o ralo por onde saem as riquezas do país. Mudanças vêm sendo feitas, mas nunca para melhorar o ambiente interno ou os benefícios para a sociedade”, reclama.

Segundo Azevedo, não há dúvida de que a administração precisa se modernizar e criar mecanismos de enfrentamento à corrupção, diante do avanço da tecnologia e do envelhecimento da população. “Mas a saída não é suprimir direitos. Os gestores de plantão também deveriam reconhecer que está ultrapassado esse olhar de economizar a qualquer custo, sem dar retorno à altura à sociedade”, analisa.

Especialistas em direito público e administrativo opinam que o presidente da República, Jair Bolsonaro, mexeu em um vespeiro. “Quando manda e desmanda nos barnabés (funcionários públicos menos graduados), o corpo da máquina, a resistência, embora barulhenta, nem sempre funciona. Mas alterar benesses, por mais que a sociedade esteja farta delas, sem uma conversa respeitosa com aqueles que mandam, torna-se uma ofensa. E, aí, a pressão contrária pode ser tão contundente que impede até mesmo boas iniciativas”, assinala um servidor.

A fonte nota que o procurador-geral da República, Augusto Aras, por exemplo, não poupou críticas à equipe econômica quando veio a público, na última segunda-feira, a informação de que a reforma previa e redução do período de férias dos integrantes do MP. Aras argumentou que membros da corporação trabalham com uma carga “desumana”, aos sábados, domingos e feriados, e levam trabalho para casa para cumprir prazos e metas.

“São agentes políticos que, tanto quanto parlamentares e chefes do Executivo, não podem se submeter a jornadas de trabalho preestabelecidas. O Ministério Público tem de cumprir prazos exíguos, não obstante o número de ações que cada procurador recebe mensalmente para manifestações, algumas vezes superando os 500 processos”, afirmou Aras.