O Estado de S. Paulo, n. 46165, 10/03/2020. Economia, p. B1
 

Petrobrás perde R$ 91 bi em valor de mercado em um dia
Denise Luna 
Matheus Piovesan
Francisco Carlos de Assis


 

Em apenas um dia a Petrobrás perdeu R$ 91 bilhões em valor de mercado, a maior perda desde 1986, na esteira do tombo na faixa de 25% do barril de petróleo e da histeria em torno das consequências do novo coronavírus para a economia global. A guerra de preços entre a Rússia e a Arábia Saudita derrubou a cotação da commodity para a casa dos US$ 31 e acendeu o alerta em relação à estatal. O novo cenário impõe desafios à petroleira que pode ver impactos sobre indicadores como receita, dívida, preço de ativos e investimentos.

A preocupação dos investidores tem como pano de fundo os rumos da receita da Petrobrás, que depende da exportação de petróleo bruto e da venda de combustíveis no mercado interno. Uma queda da demanda mundial provocada pela epidemia pode abater a empresa, apesar de sua produção ter atingido a marca recorde de 3 milhões de barris de óleo equivalente em fevereiro e o dólar favorecer as vendas externas.

Se a China não se recuperar, o resto do mundo também deverá pisar no freio e, com isso, a queda de vendas será inevitável, avaliam analistas.

Para o consultor e ex-diretorgeral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), David Zylbersztajn, a tensão no mercado de petróleo é estrutural e deve continuar.

A derrocada de cerca de 30% das ações da Petrobrás no pregão de ontem também refletiu a preocupação do mercado com sua situação financeira. Apesar da melhora em 2019, a Petrobrás continua a ser uma das petroleiras mais endividadas do mundo. Com o dólar em alta, a dívida da companhia, que em dezembro era de US$ 63,2 bilhões, sendo 76% indexados à moeda americana, subiria quase 20%.

O novo choque do petróleo pode ainda atrasar a venda de ativos não estratégicos da estatal, como as refinarias e outros campos de petróleo, que terão seu valor depreciado. A consultoria de investimentos Levante alerta para a  necessidade de a Petrobrás analisar os novos investimentos em prospecção. Com custos mais elevados, eles poderão derrubar a rentabilidade de curto prazo da companhia no atual nível de preços do petróleo.

Na bomba. Para Zylbersztajn, a Petrobrás deve manter a política de repasse dos preços às refinarias, “para não perder a credibilidade”. A chegada de uma redução ao bolso do consumidor, entretanto, vai depender dos donos de postos de combustíveis.

A Petrobrás afirmou em nota que está monitorando o mercado e segue com seu plano estratégico que prepara a companhia para atuar com resiliência em cenário de preços baixos.

Segundo a estatal, “ainda é prematuro fazer projeções sobre eventuais impactos estruturais no mercado de óleo e gás associado à recente e abrupta variação nos preços do petróleo, dado que ainda não está claro nem a intensidade ou mesmo a persistência do choque nos preços”.

“A Petrobrás continuará mantendo sua política de preços sem interferências. A tendência é que os preços caiam nas refinarias”, disse o presidente Jair Bolsonaro no Twitter.

Disse também que a Cide não deve ser reajustada. /  Colaboraram Matheus Piovesan e Francisco Carlos de Assis

Para Entender

Árabes e russos disputam preço

O pânico no mercado de petróleo começou ainda no domingo, quando as duas principais cotações (Brent e WTI) abriram com queda de quase 30%. Na noite de sábado, a petrolífera estatal saudita, Saudi Aramco, anunciou aumento da produção e redução de preços, após a Rússia vetar um acordo da Organização dos Países Exportadores de Petróleo e aliados (Opep+). A medida foi interpretada como a deflagração de uma “guerra de preços”. Segundo analistas, o objetivo da manobra saudita seria forçar os russos a retomarem as negociações sobre cortes na produção, para fazer frente ao recuo da demanda global em meio ao surto do novo coronavírus. “No momento em que o mundo precisa de menos petróleo, Arábia Saudita e Rússia estão prestes a abrir suas torneiras”, define o banco Julius Baer. Em relatório divulgado ontem, a Agência Internacional de Petróleo (AIE) estimou que o consumo de petróleo pode cair até 730 mil barris por dia este ano, o maior recuo desde 2009, quando os efeitos da crise financeira ainda eram sentidos. Os contratos futuros de petróleo fecharam ontem na maior queda diária desde a Guerra do Golfo, em 1991.