O Estado de S. Paulo, n. 46165, 10/03/2020. Economia, p. B1

Derretimento do preço do petróleo e vírus derrubam bolsas; dólar dispara
Renée Pereira
Luís Eduardo Leal
Altamiro Silva Junior
Renato Jakitas


 

Numa economia já debilitada por causa da disseminação do novo coronavírus, a decisão da Arábia Saudita de aumentar a produção de petróleo, iniciando uma guerra de preços com a Rússia, teve um efeito devastador no mercado e deteriorou as expectativas de crescimento global. Com a previsão de que a crise vai se prolongar além do calculado inicialmente, o risco de uma recessão global ficou mais evidente, com reflexos no mercado brasileiro.

A Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (Unctad) afirmou ontem que o coronavírus levará alguns países à recessão e fará com que o crescimento global em 2020 desacelere para menos de 2,5%. A agência prevê queda de US$ 2 trilhões na receita mundial.

O cenário gerou pânico global e provocou tombos históricos com a fuga dos investidores a ativos de risco. As principais Bolsas mundiais tiveram suas operações suspensas por um mecanismo chamado de circuit breaker – uma proteção à volatilidade excessiva em momentos atípicos de mercado.

No Brasil, o mecanismo foi acionado quando a Bolsa bateu os 10% de queda no pregão. A última vez que isso havia ocorrido foi em 2017, quando o ex-presidente Michel Temer foi acusado pelo empresário Joesley Batista de integrar um esquema de corrupção.

Apesar da parada técnica, o movimento de aversão ao risco continuou. A Bolsa brasileira fechou em queda de 12,17%, em 86.067 pontos, batendo novos recordes. Foi a maior queda porcentual desde 1998 – quando a Rússia decretou moratória.

No mercado mundial, o comportamento das Bolsas não foi muito diferente. Os índices Dow Jones, Standard & Poor’s 500 e Nasdaq, que também tiveram o circuit breaker acionado, fecharam em queda de mais de 7% e o índice de volatilidade VIX chegou a saltar mais de 30%. Na Europa, as Bolsas também tiveram retrações acima de 7% e, assim como nos Estados Unidos, a fuga do risco provocou corrida para a renda fixa.

Pressionado pela aposta do mercado de mais afrouxamento monetário pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano), o dólar recuou ante moedas rivais, mas avançou sobre divisas emergentes e ligadas a commodities. No Brasil, o dólar avançou 1,95%, para R$ 4,72, apesar de o Banco Central injetar US$ 3,5 bilhões no mercado, em duas vendas de moeda à vista – tipo de leilão que não se fazia desde dezembro. Hoje a autoridade monetária deve vender mais US$ 2 bilhões.

Câmbio. No ano, o dólar acumula alta de 18% ante o real. Mas, com a guerra de preços do petróleo, ontem o rublo da Rússia passou a ser a moeda com pior desempenho ante o dólar, que sobe 21% no país. Só ontem, a divisa dos EUA disparou mais de 9% no mercado russo. O petróleo teve a maior queda (25%) desde 1991, na Guerra do Golfo, carregando pelo caminho ações de petroleiras. As ações ordinárias da Petrobrás despencaram 28,5% e as preferenciais, 28,3%.

“Num momento em que o mercado parecia começar a assimilar o coronavírus, surge a guerra de preços do petróleo. Isso é muito preocupante, pois pega a economia fragilizada”, afirma o estrategista-chefe da Davos Financial Partnership, Mauro Morelli. Segundo ele, no Brasil, a expectativa é de novas revisões do PIB para 2020. Depois do resultado de 2019, os números já estavam abaixo de 2%. Esse número deve mudar ao longo do ano diante da redução da confiança do consumidor e do investidor.

A piora do câmbio ontem foi marcada por forte deterioração do risco Brasil, medido pelo Credit Default Swap (CDS) de cinco anos, que subiu de 144 pontos na sexta-feira para 207 ontem. Com isso, atingiu pela primeira vez no governo de Jair Bolsonaro a marca de 200 pontos. / Renée Pereira, Luís Eduardo Leal, Altamiro Silva Junior e Renato Jakitas.