O Estado de S. Paulo, n. 46165, 10/03/2020. Política, p. A4

Bolsonaro liga força de ato a recuo do Congresso
Beatriz Bulla
Jussara Soares
Adriana Fernandes


 

O presidente Jair Bolsonaro disse ontem que as manifestações do próximo domingo podem perder força se o Congresso desistir de controlar uma fatia expressiva do Orçamento da União. O gesto do presidente faz parte de uma estratégia para agradar a apoiadores nas redes sociais que criticaram o acordo do governo com o Congresso para divisão dos recursos orçamentários. Com a ofensiva, Bolsonaro tenta mais uma vez se descolar da imagem desgastada do Legislativo, estimulando atos contra deputados e senadores.

“O que a população quer, que está em discussão lá em Brasília: não quer que o Parlamento seja o dono do destino dos R$ 15 bilhões do Orçamento”, disse Bolsonaro, sob aplausos, em um evento com apoiadores em Miami. A quantia citada pelo presidente diz respeito ao montante que o relator do Orçamento, deputado Domingos Neto (PSD-CE), terá sob seu controle, para destinar a obras em redutos eleitorais de parlamentares. Ao pedir para o Congresso não aprovar um projeto de lei nesse sentido, Bolsonaro quebra um acordo feito pelo ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que estancou uma crise em torno do Orçamento impositivo.

Em um recado aos parlamentares, Bolsonaro disse que Maia e Alcolumbre têm a chance de arrefecer os atos se “anunciarem algo no tocante a dizer que não aceitam” que o Congresso controle R$ 15 bilhões. “Acredito que eles possam botar até um ponto final na manifestação, não um ponto final, porque ela vai haver de qualquer jeito, mas para mostrar que estamos, sim, afinados no interesse do povo brasileiro”, afirmou o presidente, em nova tentativa de enquadrar o Congresso. Maia e Alcolumbre não responderam.

Na prática, a definição dos R$ 15 bilhões foi fruto de negociação do próprio governo para garantir os vetos presidenciais à proposta que diz como os recursos públicos serão gastos. Antes do acordo, a previsão estabelecida no texto era para que o relator do Orçamento controlasse R$ 30,1 bilhões.

Bolsonaro afirmou que o relacionamento com o Congresso já esteve pior do que hoje e relatou ter trocado mensagens com Maia sobre os protestos. “No meu entender, é algo voluntário por parte do povo, não é contra o Congresso, não é contra o Judiciário. É a favor do Brasil que, afinal de contas, devemos obedecer e seguir o norte apontado pela população”, disse ele.

Impasse. O Estado revelou que deputados bolsonaristas se articulam para barrar o projeto enviado pelo próprio governo ao Congresso, que repassa a deputados e senadores o controle de boa parte do Orçamento. O impasse tem potencial para alimentar a queda de braço entre o Executivo e o Congresso às vésperas das manifestações.

O grupo que se opõe ao projeto é formado por parlamentares da ala ideológica do governo e vem sendo engrossado pela oposição. Articulador político do Planalto, o general Ramos entrou na mira do vereador Carlos Bolsonaro (PSC) porque, na avaliação do filho do presidente, cedeu demais ao Congresso nas negociações. “Tenho atuado como posso, entretanto é visível que o presidente está sendo propositalmente isolado e blindado por imbecis com ego maior que a cara”, postou Carlos, anteontem, no Twitter.

A publicação foi entendida por aliados de Bolsonaro como um recado a Ramos, que negociou o acordo do Orçamento. Discípulos de Carlos e do escritor Olavo de Carvalho também expuseram o incômodo com a atuação do ministro, classificado como “ventríloquo”.

Bolsonaro enviou na semana passada três projetos ao Congresso que garantem ao Executivo autonomia para controlar o ritmo de liberação das emendas. As propostas devem ser apreciadas hoje na Comissão de Orçamento e, depois, seguirão para o plenário. Logo depois do acordo, no entanto, o governo foi criticado por apoiadores por negociar com o Centrão. Diante das reações negativas, aliados de Bolsonaro passaram a dizer que ele não sabia do conteúdo das tratativas e que foi induzido a erro.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, participou do acerto, mas se recusou a assinar um dos projetos, justamente o que concedia ao relator do Orçamento mais dinheiro para distribuir aos parlamentares. Coube ao ministro Ramos assinar sozinho a proposta.

Auxiliares de Guedes estiveram na casa de Alcolumbre e também discutiram os detalhes do acordo por WhatsApp. Diante do aumento da pressão nas redes, porém, o ministro optou por não colocar suas digitais no texto, embora em reuniões privadas tenha defendido um entendimento com o Congresso, com o objetivo de aprovar, mais adiante, as reformas tributária e administrativa.

No sábado, Bolsonaro fez uma convocação para os protestos durante discurso em Boa Vista (RR). Na ocasião, o presidente sugeriu que estava sendo chantageado. Disse que já levou “facada no pescoço dentro do gabinete por pessoas que não pensam no Brasil, pensam neles apenas”.

Para Entender

O vai e vem do Orçamento

Na proposta de Orçamento, em dezembro, o governo reservou R$ 6,9 bilhões para emendas do Congresso. Parlamentares elevaram o valor para R$ 30 bilhões, mas Bolsonaro vetou essa mudança no fim do ano. Após acordo com o governo, o Congresso decidiu, semana passada, manter intactos os vetos de Bolsonaro. Dias antes da votação, porém, o Planalto enviou ao Congresso três projetos para regulamentar as regras do jogo orçamentário. O primeiro texto dá autonomia para o governo ditar o ritmo de liberação dos recursos e autoriza bloqueios caso não haja dinheiro em caixa. A segunda proposta devolve aos ministérios R$ 9,6 bilhões de emendas. A terceira medida garante poder ao relator do Orçamento e às comissões para definir o destino de emendas.