Correio Braziliense, n.20570, 17/09/2019. Política. p.2

Aprovação de Aras é dada como certa

Alessandra Azevedo 
Leonardo Cavalcanti 
Renato de Souza 


 

Escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro para chefiar o Ministério Público, Augusto Aras tem mais dois dias — hoje e quinta-feira — para as últimas visitas aos senadores, responsáveis por chancelar o subprocurador na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). A aprovação é dada como certa. São necessários os votos de 41 dos 81 parlamentares. O relatório apresentado por Eduardo Braga (MDB-AM) cita a sociedade de Aras com um escritório de advocacia com atuação nos tribunais federais. O próprio texto do emedebista recomenda a aceitação do nome, desde que o eventual novo comandante do MP deixe a empresa.

Em carta enviada ao relator antes da apresentação do parecer, Aras oficializou o compromisso de entregar a carteira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e de sair da sociedade, como havia adiantado que faria, em reunião com líderes partidários, na semana passada. Em relação à polêmica da lista tríplice, da qual Aras não fazia parte, Braga afirmou que “isso não é uma exigência legal”, apenas uma tradição. O Ministério Público costuma indicar três nomes ao presidente da República para que ele escolha entre um deles — geralmente, o primeiro.

Desta vez, Bolsonaro optou por um que não havia sido selecionado. Por isso, quando foi indicado, em 5 de setembro, Aras recebeu críticas por ser alinhado ao presidente, o que poderia indicar uma atuação enviesada. Braga minimizou o assunto e disse esperar que haja independência “tanto do ponto de vista ideológico quanto do ponto de vista partidário, porque é isso que se espera de um PGR”.

Passada a sabatina, prevista para o próximo di25, e, por tabela, a aprovação do nome dele pelo plenário do Senado, Aras tem pela frente uma pauta envolvendo julgamentos diretamente ligados à atuação do Ministério Público no Supremo Tribunal Federal (STF). Uma delas pode impactar, inclusive, nos rumos de uma acusação contra o relator. Braga é investigado na Operação Lava-Jato por suposto recebimento de R$ 6 milhões da JBS de forma ilegal durante a campanha de 2014. O inquérito tramita no STF e, caso Aras assuma a PGR, caberá a ele decidir se o denuncia ou não.

Para ser aceito, ele precisa do apoio de 41 dos 81 senadores, o que o relator, que votará a favor, não acredita que será um problema. “Creio que ele terá um grande número de votos favoráveis à sua indicação”, disse. Braga ressaltou que a votação é secreta e que, portanto, cada senador terá “absoluta liberdade” para manifestar seu voto, mas reforçou que “o espírito que tem ouvido” indica a aprovação.

A postura esperada por Braga é que Aras promova “um alinhamento do pensamento nas instâncias do ministério”, o que, na visão do senador, “não significa tirar independência ou a liberdade de discernimento”.

Entre os procuradores, há dúvidas sobre o efeito da chegada de Aras ao STF, depois da atuação tímida de Raquel Dodge, que deixa o cargo hoje sem pompas, com a discreta apresentação de um relatório de gestão. Com o desgaste da Lava-Jato e a animosidade dentro do Ministério Público, Dodge também acabou sem qualquer protagonismo no Supremo, ao contrário dos procuradores-gerais que a antecederam. “O problema é que a gente não sabe o que esperar da atuação de Aras”, disse um procurador que acompanha o dia a dia da PGR.

A leitura é a de que Dodge, ao tentar a recondução ao cargo, acabou isolada, mesmo sem deixar de lado pautas de cidadania e direitos humanos. “Talvez ainda possamos sentir saudades de Raquel”, disse o procurador. Depois de um processo controverso até a escolha do nome por Bolsonaro, Aras vem conseguindo acenos por parte integrantes do MP, como o chefe da força-tarefa da Lava-Jato, Deltan Dallagnol, como mostrou entrevista do Correio publicada no último domingo.

Atuação no Supremo

Logo nos primeiros seis meses de gestão como procurador-geral da República, Augusto Aras vai encontrar, no Supremo Tribunal Federal (STF), julgamentos que têm impacto imediato e decisivo no trabalho do Ministério Público e das investigações pelo país. A pauta do segundo semestre da Corte está recheada de assuntos que podem definir os rumos de ações de combate ao crime organizado e desvios de dinheiro, como a Lava-Jato. Um dos casos que vão cair nas mãos do sucessor de Dodge é o do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A Segunda Turma do Supremo vai julgar um habeas corpus em que a defesa dele questiona a conduta do ex-juiz Sérgio Moro, atual ministro da Justiça, na ação penal relacionada ao triplex do Guarujá.

A defesa do petista alega que ele agiu parcialmente durante o processo e pede que o cliente seja inocentado. A suposta prova, além do ataque hacker que revelou conversas entre Moro e procuradores da Lava-Jato, seria o fato de ele ter aceitado o convite para integrar o governo do presidente Jair Bolsonaro. Além disso, em outubro, o Supremo vai julgar qual a competência da Justiça Militar para julgar civis em tempos de paz.

Atualmente, cidadãos mesmo que não tenham vínculos com as Forças Armadas e as entidades policiais de caráter militar podem ser julgadas pela Justiça Militar. Isso ocorre quando o crime ou ato questionado tem ligação com militares ou ocorre dentro de instituições desse tipo. No entanto, diversos recursos apresentados na Corte questionam esse tipo de regra. No mesmo dia, o SPF deve avaliar se policiais militares dos estados e do Distrito Federal são considerados militares para fins penais.

Em 10 de outubro, de acordo com a agenda do STF, os ministros devem analisar a possibilidade de o Tribunal de Contas da União (TCU) determinar o bloqueio de bens. O assunto foi levado à Corte pela empreiteira OAS, investigada na Lava-Jato, e por Marcelo Odebrecht, ex-presidente da construtora Odebrecht, condenado por corrupção e que foi afetado por bloqueios determinados pelo TCU. Outros executivos do grupo figuram como autores em ações do tipo.

No entanto, o tema mais espinhoso está previsto para ir ao plenário em 20 de novembro. O Supremo vai avaliar se dados financeiros colhidos pelo Coaf, pela Receita Federal e pelo Banco Central podem ser utilizados em investigações sem autorização da Justiça, como ocorre nos EUA e na Europa. Atualmente, milhares de ações estão paradas no país em decorrência de uma decisão do ministro Dias Toffoli, que proíbe o uso de informações financeiras detalhadas nas diligências sem que tenha ocorrido aval do Poder Judiciário. Entre as ações congeladas está a do senador Flávio Bolsonaro e do assassinato da vereadora Marielle Franco.

Frase

“Creio que ele terá um grande número de votos favoráveis à sua indicação”

Eduardo Braga, senador MDB-AM