Correio Braziliense, n. 20626, 12/11/2019. Economia, p. 6

Reunião dos Brics é teste para Bolsonaro

Simone Kafruni


Primeira cidade a sediar a principal reunião dos Brics pela segunda vez, Brasília se prepara para receber os líderes de Rússia, Índia, China e África do Sul. Com o tema Brics: crescimento econômico para um futuro inovador, a cúpula do grupo, que representa cerca de 42% da população, 23% do Produto Interno Bruto (PIB), 30% do território e 18% do comércio mundial, é presidida pelo Brasil em 2019. Para os especialistas, o encontro, realizado em meio a graves crises políticas na América Latina e a agendas distintas dos países-membros, será um desafio para o governo de Jair Bolsonaro.

Segundo o Itamaraty, as prioridades da presidência brasileira são o fortalecimento da cooperação em ciência, tecnologia e inovação; o reforço da cooperação em economia digital; o adensamento da cooperação no combate aos ilícitos transnacionais, notadamente ao crime organizado, à lavagem de dinheiro e ao tráfico de entorpecentes; e o incentivo à aproximação entre o banco do Brics e o conselho empresarial do agrupamento.

Para analistas, conectar o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês) com o setor produtivo é a principal agenda econômica desta reunião, uma vez que o Brasil vem subutilizando a instituição em relação às demais nações. Até o momento, o NDB já aprovou mais de US$ 8 bilhões em projetos de financiamento de infraestrutura e de energia renovável nos países-membros.

Além de presidir os trabalhos da cúpula, o presidente Bolsonaro terá reuniões bilaterais com os chefes de Estado. Amanhã, às 11h, no Palácio do Itamaraty, ele se reúne com Xi Jinping, presidente da China. Às 15h, no Palácio do Planalto, Bolsonaro recebe o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi. No dia seguinte, os encontros serão no Palácio do Planalto, às 16h, com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, e, às 17h, com Cyril Ramaphosa, presidente da África do Sul. Paralelamente, será realizado um fórum empresarial no Centro Internacional de Convenções do Brasil (CICB). Também estão programados um jantar e um almoço oferecidos em homenagem aos líderes, apresentações culturais e plenárias.

De acordo com Creomar de Souza, da consultoria de risco político Dharma, o grupo está muito distante daquele criado para a cooperação entre os países participantes. O acrônimo Bric foi cunhado em 2001. Em 2006, os países deram início ao diálogo que, desde 2009, tem reuniões anuais, e, em 2011, houve o ingresso da África do Sul. “Com exceção do banco, as agendas são particulares. A mais significativa será a reunião reservada entre Bolsonaro e Jinping. Devem tratar da tecnologia 5G”, afirmou.

Abertura

O especialista observou que a grande questão é como o governo vai se comportar. “Durante a campanha, o discurso era anti-Brics, anticooperação”, lembrou. Para o país, Souza destacou que o mais importante é a abertura do mercado. “Com a Rússia, pode avançar a liberação da carne brasileira. Com a Índia, a cooperação tecnológica é importante. Já a África do Sul é relevante para empresas brasileiras que atuam lá”, enumerou.

O consultor ressaltou, no entanto, que o banco do Brics precisa de mais parceiros. “Os chineses se esforçam para que atenda outros países. Mas há um certo isolamento do governo brasileiro na América Latina, tanto que o Planalto não quis a presença de líderes do continente”, destacou. “Houve temor de esvaziar o protagonismo brasileiro. O Brasil tem seus próprios interesses. Não sei se foi a postura mais eficaz, mas foi a escolhida”, avaliou.

Na opinião de Lucas Fernandes, consultor de análise política da BMJ, não se esperam efeitos práticos no curto prazo da reunião de cúpula. “Ela vai testar o limite da retórica do presidente Bolsonaro em relação à sua política externa. Ele tem uma relação um tanto quanto desgastada com alguns líderes que estarão presentes. Vamos ver se será mais pragmático ou se vai continuar com uma postura ideológica”, analisou. “Bolsonaro deve destacar a agenda de reformas, o alívio nas contas públicas, a melhora no ambiente de negócios. Veremos se ele vai defender as instituições”, disse.

O sócio-diretor da Prospectiva, Ricardo Mendes, afirmou que a cúpula tem tido pouco destaque até pelo governo brasileiro. “Os países estão cada um com sua prioridade. Há pouca atração para manter o grupo coeso”, sustentou. Segundo ele, a China está às voltas com a guerra comercial com os Estados Unidos e a Rússia, com o embargo da União Europeia. “A Índia não tem nenhuma agenda estratégica com o Brasil. A África do Sul está saindo de uma crise interna. Então, acho que a parte política deve ser rasa”, avaliou.

O que deve avançar, destacou Mendes, são as pautas econômicas, os acordos de cooperação e os investimentos do NDB. “O banco do Brics vai abrir uma filial em São Paulo, porque o Brasil está subutilizando a instituição em relação aos outros países”, alertou. “O interesse também passa pelos países vizinhos. O banco poderia financiar obras de escoamento para a China pelo Pacífico. Mas a situação da América Latina está complicada. E o Brasil deixou de ser liderança na região”, disse.