Correio Braziliense, n. 20720, 14/02/2020. Política, p. 3

Bolsonaro chama ONG de lixo

Ingrid Soares



O presidente Jair Bolsonaro atacou, ontem, a ONG ambientalista Greenpeace. “Quem é Greenpeace? Quem é essa porcaria chamada Greenpeace? Isso é um lixo”, disparou. As declarações foram dadas ao ser perguntado sobre a nota da organização, dizendo que o Conselho da Amazônia não tem meta, plano nem orçamento.

Na terça-feira, Bolsonaro assinou um decreto que transferiu a coordenação do Conselho Nacional da Amazônia Legal do Ministério do Meio Ambiente para o vice-presidente Hamilton Mourão. O colegiado, no entanto, é formado exclusivamente por integrantes do Executivo federal. Os governadores ficaram fora.

Em resposta a Bolsonaro, a ONG divulgou uma nota reprovando a atitude do chefe do Executivo. “O Greenpeace Brasil lamenta que um Presidente da República apresente postura tão incondizente com o cargo que ocupa”, destacou. “A organização existe há quase meio século e está presente em 55 países. No Brasil, atua há 28 anos, defendendo o meio ambiente e colaborando, inclusive, com autoridades na denúncia de crimes ambientais.”

A organização frisou, também, que, ao longo da história, a postura crítica que adota contra “quem promove a destruição ambiental já causou muitas reações desequilibradas dos mais diferentes personagens”. “Estamos apenas diante de mais uma delas. Nestes casos, o incômodo de quem destrói o meio ambiente soa como elogio.”

 O Greenpeace ressaltou, ainda, que, no Brasil, tem criticado e combatido as políticas do governo que levaram ao aumento do desmatamento e ao desmantelamento dos órgãos de fiscalização, “além de nos posicionarmos contra os absurdos ataques aos direitos dos povos indígenas”. “Somos uma organização sem fins lucrativos, com independência financeira e política, e continuaremos trabalhando incansavelmente na defesa do meio ambiente, da democracia e dos direitos das populações. Irrite a quem irritar.”

O Greenpeace irritou Bolsonaro porque criticou o Conselho da Amazônia. “Ele não anulará a política antiambiental do governo e não tem por finalidade combater o desmatamento ou o crime ambiental. Os governadores, indígenas e a sociedade civil não fazem parte da sua composição”, disse a organização, na quarta-feira. “E numa tentativa de minimizar o impacto negativo da gestão do ministro Ricardo Salles, Bolsonaro retirou o ministro do Meio Ambiente do comando de políticas ambientais para a Amazônia e espera que isso já seja o suficiente para enganar a opinião pública e os investidores internacionais. Mas os resultados continuarão sendo medidos diariamente pelos satélites que medem o desmatamento.”

A ONG também frisou que “no último ano, assistimos a um orquestrado desmonte dos órgãos de proteção e fiscalização ambiental, que resultou num aumento do desmatamento em 30%, na queima da floresta e da imagem do Brasil nacional e internacionalmente”. “Desde o anúncio do aumento do desmatamento em novembro, o governo emitiu uma medida provisória para premiar grileiros (MP 910/2019) e um projeto de lei para garimpeiros (PL 191/2020). Os alertas de desmatamento medidos pelo sistema Deter do Inpe para o mês de janeiro de 2020 apontaram 280km², o dobro do registrado no mesmo período do ano passado”, ressaltou. “Agora reuniram o presidente, seu vice, os ministros e autoridades em uma grande cerimônia, uma encenação, para criar um conselho que é uma verdadeira soma de zeros.”

Mourão

Ontem, Hamilton Mourão afirmou que “ninguém perdeu poder” com a ausência de governadores do Conselho da Amazônia. “Nós não vamos interferir, dentro do princípio básico do federalismo, na vida dos estados. Vou de estado por estado ouvir os governadores”, frisou. “Ninguém perdeu poder. Muito pelo contrário. Na realidade, os ministros agora têm autoridade designada pelo presidente da República para facilitar e integrar o trabalho dele.” Ele destacou que ouvirá também sociedade civil e ONGs.

Também ontem, a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado aprovou um convite para que Mourão explique como funcionará o Conselho da Amazônia.

Composição

Além de Mourão, o conselho será composto pelos ministros de Casa Civil, Justiça e Segurança Pública, Defesa, Relações Exteriores, Economia, Infraestrutura, Agricultura, Ciência, Minas e Energia, Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional, além dos chefes da Secretaria-Geral, da Secretaria de Governo e do Gabinete de Segurança Institucional.  O grupo é constituído por quatro comissões: a integradora de políticas públicas, a de Preservação, a de Proteção e a de Desenvolvimento da Amazônia Legal, assim como subcomissões que auxiliarão na execução das atividades. O objetivo, segundo o Planalto, é coordenar a implementação das políticas públicas relacionadas a esse espaço do território nacional.

Papa também é criticado

O Greenpeace não foi o único alvo, ontem, do presidente Jair Bolsonaro. Ele também criticou o texto do papa Francisco, depois que o pontífice pediu a proteção da floresta amazônica. O documento intitulado Exortação Apostólica Pós-Sinodal Querida Amazônia foi publicado na quarta-feira.

Bolsonaro também alfinetou ambientalistas por causa de incêndios na Austrália. “Pegou fogo na Austrália toda, ninguém fala nada. Cadê o sínodo da Austrália? O papa Francisco falou que a Amazônia é dele, de todo mundo.” Em seguida, o chefe do Executivo disparou: “Por coincidência, estava aqui com o embaixador da Argentina (Felipe Solá), eu disse: ‘O papa é argentino, mas Deus é brasileiro’”.

No documento, o papa endossou o papel dos povos indígenas como guardiões da floresta. Ele disse que “às operações econômicas, nacionais ou internacionais, que danificam a Amazônia e não respeitam o direito dos povos nativos... há que rotulá-las com o nome devido: injustiça e crime”.

O posicionamento de Francisco ocorre após Bolsonaro ter assinado projeto de lei que propõe a liberação de áreas indígenas para a exploração de minérios e agricultura, entre outras atividades.

A reação de Bolsonaro coincidiu com a visita do ex-presidente Lula ao papa, ontem. Nas redes sociais, o petista postou: “Encontro com o Papa Francisco para conversar sobre um mundo mais justo e fraterno”.