Correio Braziliense, n.20571, 18/09/2019. Mundo. p.13

Outra eleição termina sem vencedor


Israel começa hoje mais uma maratona de negociações políticas, depois que a segunda eleição em menos de seis meses foi novamente incapaz de apontar uma maioria clara. Nem o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, da direita, nem o desafiante Benny Gantz, de centro, saíram das urnas com um mandato claro para governar — nem mesmo levando em conta as alianças naturais com os partidos dos respectivos campos. Três projeções feitas a partir de pesquisas de boca de urna apontaram o mesmo cenário, no qual o fator capaz de romper o impasse será o ex-ministro da Defesa Avigdor Lieberman: com os oito a 10 deputados que deve eleger, de um total de 120, ele fica em posição de força para compor uma coalizão capaz de governar o país.

Com a votação encerrada, às 22h (16h em Brasília), as atenções dos israelenses se voltaram prontamente para as telas de tevês, computadores e celulares, na espera de notícias que indicassem uma direção clara. Os primeiros sinais, porém, soaram como a repetição das eleições de abril, quando o Likud, de Netanyahu, e o Kahol Lavan (“azul e branco”), de Gantz, obtiveram 35 cadeiras cada um. Desta vez, as projeções sugeriam vantagem mínima para o principal partido de oposição, mas com o bloco de centro-esquerda somando, no máximo, 56 deputados, e a direita chegando a 57 — ambos aquém dos 61 necessários para garantir a maioria.

Com os líderes das principais forças políticas em silêncio, à espera dos resultados, a reação inicial coube a Lieberman. Ele voltou a defender a formação de um “governo de união nacional”, no qual se uniria a Gantz e Netanyahu, mas sem a presença dos partidos ultra-ortodoxos que integram a atual base de apoio do premiê. “Há apenas uma opção para nós, que é a formação de um amplo governo de união nacional e liberal com o Yisrael Beiteinu”, afirmou, referindo-se ao próprio partido.

Defensor do Estado laico, o ex- ministro esteve no centro do impasse em abril, quando rompeu com o gabinete em meio a disputas políticas e de cargos com os religiosos. A fórmula proposta por ele, agora, garante uma maioria clara, mas ao preço de desmontar os blocos atuais de direita e centro-esquerda.

Qualquer acordo nessa direção teria de superar também a disputa pela chefia do governo. Durante a campanha, tanto Lieberman quanto Gantz fizeram duras acusações a Netanyahu, que tem pela frente o risco de enfrentar três processos por corrupção. O líder centrista foi explícito em apresentar como condição para um acordo com o Likud a exclusão do atual premiê. Os resultados finais, esperados para hoje, definirão balizas para as negociações. O partido que tiver o maior número de cadeiras estará na posição de exigir a liderança do gabinete; em caso de empate, o ex-ministro da Defesa assumirá um papel ainda mais decisivo.

Árabes

Além do Yisrael Beiteinu, o partido ultranacionalista de Lieberman, outra legenda que imprimiu sua marca na eleição de ontem foi a Lista Unida, uma coligação de partidos que representam os árabes-israelenses — cerca de 10% da população. Eles compareceram em grande número para votar, como protesto contra a emenda à Constituição que definiu Israel como o “Estado nacional dos judeus”, cristalizando sua percepção de que se tornaram cidadãos de segunda classe, assim como os cristãos e muçulmanos.

Encerrar a era Netanyahu, o premiê que governou por mais tempo nas sete décadas de história do moderno Estado de Israel, foi a motivação dos árabes para ir às urnas, ajudando a puxar para cima a taxa geral de comparecimento. O líder da Lista Unida, Ayman Odeh, acenou em campanha com o apoio a Benny Gantz, mas dificilmente endossará um gabinete que inclua também o Likud e Lieberman. Ambos defendem políticas duras contra a minoria árabe e a expansão das colônias israelenses no território palestino da Cisjordânia.