O Estado de S. Paulo, n. 46159, 04/03/2020. Economia, p. B1
 

BC dos EUA surpreende e corta juros, mas bolsas caem e dólar vai a R$ 4,51
Iander Porcella
Luís Eduardo Leal
Altamiro Silva Jr.


 

O Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) anunciou ontem redução extraordinária de 0,50 ponto porcentual na taxa de juros – para o nível de 1% a 1,25% –, numa tentativa de amenizar os efeitos do coronavírus na atividade econômica do país. Em comunicado, a instituição afirmou que os fundamentos dos EUA “continuam fortes”, mas que a epidemia representa “riscos à atividade econômica”. O Fed não fazia um corte emergencial dos juros – fora das reuniões regulares – desde a crise financeira de 2008.

Apesar do anúncio, os mercados americanos voltaram a fechar o dia em baixa. No Brasil, o Ibovespa, que havia alcançado os 108.803 mil pontos, terminou com queda de 1,02%, a 105.537,14 pontos. O dólar foi a R$ 4,5117, alta de 0,55%

Para analistas, a antecipação da decisão do Fed poderia indicar maior gravidade do cenário pelo surto de coronavírus do que o admitido até aqui pelas autoridades do país. Além disso, existe a percepção de que, num cenário de maior ameaça à atividade econômica, haveria pouco espaço para reação de bancos centrais em outros países. Os juros na Europa, por exemplo, já são negativos. Como resultado, o índice Dow Jones fechou em baixa de 2,94%, a Nasdaq recuou 2,99% e o S&P 500 perdeu 2,81%.

O presidente do Fed, Jerome Powell, disse que ainda não avalia usar outros instrumentos além do corte de juros. Mas acrescentou que, se necessário, não vai hesitar em fazê-lo. A declaração não agradou ao mercado.

“Esse movimento cheira a pânico, especialmente porque não havia sinais óbvios de riscos de instabilidade financeira que justificassem uma ação de emergência”, comentou o banco americano Brown Brothers Harriman. Na visão da instituição, o Fed não pode “consertar cadeias de suprimentos quebradas” pelo avanço do coronavírus. “Isso depende principalmente da China e de seus esforços para colocar as fábricas em funcionamento novamente.”

No Brasil, o economista-chefe da Necton, André Perfeito, disse que o Fed errou. “Taxa de juros não é ‘Naldecon’, não é isso que vai gerar mais produção”, disse. “A resposta adequada seria fiscal, não monetária.”

Na Europa, os ministros de Finanças e presidentes de bancos centrais do G-7 (grupo de países mais ricos do mundo) disseram que monitoram a disseminação do coronavírus e seu impacto nos mercados. Em comunicado divulgado após teleconferência, eles reafirmaram o compromisso de “usar todas as ferramentas de política apropriadas para garantir crescimento forte e sustentável e se salvaguardar de riscos negativos”. Mas nenhuma medida foi concreta foi anunciada.

A próxima reunião do Fed está marcada para os dias 17 e 18 deste mês. / Iander Porcella, Luís Eduardo Leal e Altamiro Silva Jr.