Correio Braziliense, n. 20713, 07/02/2020. Política, p. 5

Gilmar nega mea-culpa do STF
Jorge Vasconcellos
Renato Souza


 

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou que a Corte queira enviar um recado à sociedade com a tendência de endurecer a legislação penal, demonstrada na sessão da última quarta-feira. Na ocasião, a maioria do plenário decidiu que a confirmação da condenação em segunda instância deve interromper a contagem do prazo de prescrição — tempo que o Estado tem para punir o réu. O magistrado disse que esse posicionamento nada tem a ver com as críticas de que o tribunal é leniente com a impunidade.

Mendes falou sobre o assunto ao ser perguntado por jornalistas sobre uma possível relação entre o resultado parcial do julgamento — sete votos a dois — e a decisão do tribunal que considerou inconstitucional a prisão após condenação em segunda instância. Tomada em novembro de 2019, ela foi alvo de uma avalanche de críticas.

“Não existe relação. É um debate que havia sido colocado há algum tempo com a discrepância entre a primeira e a segunda turma. Era necessário, então, que houvesse a uniformização. Não tem nenhuma associação, e era necessário”, afirmou Mendes.

A prescrição é discutida no Supremo em uma ação movida por um homem condenado a um ano e 10 meses de prisão por tráfico internacional de drogas. O réu, que posteriormente teve a pena convertida em restritiva de direitos, pediu a prescrição do caso ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). O recurso foi negado.

O julgamento de quarta-feira foi interrompido por um pedido de vista do presidente da Corte, Dias Toffoli, que deve devolver o caso para que o plenário termine de analisar, quando o ministro Celso de Mello retornar da licença médica.

Especialistas ouvidos pelo Correio comentaram o posicionamento demonstrado pela maioria dos ministros do Supremo. “Entendo que a decisão do STF de interromper a prescrição com o acórdão confirmatório de condenação vai de encontro à previsão legal”, criticou o professor de direito penal David Metzker. “A lei é clara ao afirmar que interrompe (a prescrição) sentença ou acórdão condenatório. Quando o acórdão apenas confirma a sentença, temos uma decisão declaratória. Interromper com o acórdão confirmatório não é a intenção do legislador. Caso fosse, teria feito como nos casos de pronúncia, em que a lei afirma que interrompe quando houver decisão confirmatória da pronúncia.”

“O Código Penal elenca as hipóteses de prescrição, de suspensão e interrupção dessa prescrição. Quando a lei fala em ‘acórdão condenatório’ como causa interruptiva, está fora de cogitação o acórdão meramente confirmatório de uma condenação anterior”, observou Willer Tomaz, sócio do Willer Tomaz Advogados Associados. “No direito, toda interpretação prejudicial deve ser restritiva, sobretudo em matéria penal. A Constituição proíbe o juiz de ampliar o alcance da norma para prejudicar o réu, pois fere o princípio da legalidade”, alertou.