Correio Braziliense, n. 20654, 10/12/2019. Ciência, p. 14

Sinais vacilantes


A despeito dos alertas de especialistas, da divulgação de dados alarmantes e dos protestos mundo afora cobrando ações contra as mudanças climáticas, a COP25 entrou em sua reta final sem sinais contundentes de que virá uma resposta efetiva por parte dos governos para enfrentar a situação. Na verdade, analistas consideram fracas as demonstrações. “A paralisia dos governos é incrivelmente perturbadora”, definiu Jennifer Morgan, diretora do Greenpeace Internacional, para quem a segunda semana da conferência começou com uma enorme lacuna entre as expectativas dos defensores do clima e as intenções dos países mais emissores de gases de efeito estufa.

Nenhum dos grandes emissores deve fazer um anúncio significativo sobre suas ambições este ano: dos Estados Unidos, que decidiram se retirar do Acordo de Paris no próximo ano, à China, Índia, Japão e mesmo a União Europeia, que decretou emergência climática no início da conferência de Madri. O pacto celebrado na capital francesa, que visa limitar o aquecimento a um máximo de +2° C, prevê que os americanos revisem seus compromissos de redução de emissões somente em 2020, enquanto a maioria se concentra na próxima conferência, que acontecerá em Glasgow, na Escócia.

A quatro dias do encerramento da reunião, “os sinais não são bons”, reconheceu Alden Meyer, da Union for Concerned Scientists, observadora de longa data das negociações climáticas. Para ela, China, Índia e Japão, “se decidirem agir, será mais próximo da COP26”. Quanto ao bloco europeu, medidas poderão ser adotadas em Bruxelas, numa cúpula que será realizada na quinta e na sexta-feira.

“O grande evento será a COP26, mas não podemos esperar mais”, opinou, por sua vez, a jovem ativista climática Greta Thunberg, que chegou a Madri na sexta-feira passada e arrastou milhares de manifestantes pelas ruas da capital espanhola.

Pequenos

Enquanto isso, cerca de 70 países comprometidos em aumentar suas ambições de reduzir as emissões de gases de efeito estufa até 2020 se reúnem amanhã em Madri. Novos membros poderiam se unir a essa aliança, que representa apenas 8% das emissões globais, mas nenhum grande emissor, prevê Alden Meyer.

Nesse contexto, muitos contam com o engajamento do setor privado. Um grupo de mais de 600 investidores institucionais que administram cerca de US$ 37 trilhões pediu ontem o fim do carvão e mais ambições da comunidade internacional. Entretanto, para as regiões na linha de frente dos impactos já devastadores das mudanças climáticas, tudo isso está longe de ser suficiente.

“Algumas partes influentes dificultam os esforços para responder à emergência climática”, lamentou Janine Felson, representante do grupo dos 44 Estados insulares. “Vimos recuos de nossos parceiros desenvolvidos”, assinalou Sonam P. Wangdi, que preside o grupo dos Países Menos Avançados.

Salles quer diálogo

O ministro brasileiro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, fez ontem sua estreia em um evento público na COP-25, em Madri, durante a qual destacou a necessidade de se encontrar “os pontos de convergência para avançar” na agenda do desenvolvimento sustentável da Amazônia. Salles participou de uma audiência convocada pelo Instituto Clima e Sociedade e pelo Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, que organizaram o único espaço brasileiro na cúpula deste ano, com a presença de empresários e parlamentares. Entre eles o Presidente do Senado, Davi Alcolumbre.

 Ao discursar, Salles reforçou ter ido à COP pedir recursos de países ricos para poder combater o desmatamento. “Algo que está diretamente ligado à nossa presença aqui é a monetização dos recursos ambientais no sentido de prover realmente recursos para o pagamento por serviços ambientais. Os serviços ecossistêmicos, que são muitos e são importantes, precisam ser remunerados para serem valorizados”, assinalou.

Salles se referiu a um dos itens que estão sendo discutidos na conferência, que é o artigo 6 do Acordo de Paris, fechado em 2015 para combater as mudanças climáticas. O texto trata da existência de mercados de carbono e ainda precisa ser regulamentado.

Primeira a falar, Karina Penna, do Engajamundo e estudante de Biologia no Maranhão, fez uma referência à morte de três indígenas no estado, em pouco mais de um mês. Em seguida, foi a vez de Caetano Scannavino, coordenador do Projeto Saúde e Alegria, uma das ONGs alvo de apreensão por parte da polícia do Pará na operação que prendeu quatro brigadistas em Alter do Chão. Os quatro foram soltos dias depois.

Scannavino contou que viveu “momentos de pesadelo”. “Não botamos fogo na floresta”, reafirmou.  Ele lembrou que a conferência seria realizada inicialmente no Brasil. “Que fique uma lição para que, na próxima COP, o Brasil se representar com o tamanho do país com a maior biodiversidade do planeta que nós somos”, disse. Salles acenou com a cabeça.