Correio Braziliense, n. 20654, 10/12/2019. Política, p. 2

Batalha para votar 2ª instância
Jorge Vasconcellos
Bernardo Bittar


O Projeto de Lei do Senado (PLS) 166/2018, que prevê a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância, é o primeiro item da pauta, hoje, da sessão extraordinária da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa. Como a votação tem caráter terminativo, a oposição decidiu apresentar recursos para que a matéria, se aprovada, seja analisada também em plenário, antes de seguir para a Câmara dos Deputados.

A CCJ é formada por 27 membros titulares e precisa de um quórum mínimo de 14 para iniciar a votação. O Correio apurou que, até ontem, havia 10 votos confirmados a favor da aprovação do projeto. A oposição, oito votos contrários. A preocupação é obter quórum para analisar a matéria, já que a sessão está marcada para as 10h.

De autoria do senador Lasier Martins (Podemos-RS), o projeto altera o artigo 283 do Código de Processo Penal (CPP), com a seguinte redação: “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de condenação criminal exarada por órgão colegiado ou em virtude de prisão temporária ou preventiva”. Essa nova redação retira do artigo 283 a parte que diz que a prisão só pode ocorrer após o trânsito em julgado, ou seja, depois de esgotados todos os recursos do réu.

Para Lasier Martins, caso a oposição seja bem-sucedida e o texto siga para o plenário antes de ir para a Câmara, a votação final da matéria deve ocorrer amanhã.

A votação do PLS 166/2018 foi convocada pela presidente da CCJ do Senado, Simone Tebet (MDB-MS). A iniciativa dela contrariou acordo de líderes partidários que decidiram dar prioridade à tramitação, na Câmara, da Proposta de Emenda à Constituição 199/2019, tratando do mesmo tema.

Em reação à decisão de Tebet, o Presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), anunciou que convocaria até três sessões conjuntas do Congresso para esta semana, o que foi interpretado, no meio político, como uma forma de prejudicar os trabalhos da CCJ.

Uma sessão do Congresso foi inicialmente marcada para começar às 11h de hoje, um horário bem próximo do previsto para a abertura da reunião da CCJ. Posteriormente, o início da sessão conjunta de deputados e senadores foi alterado para as 13h.

No Senado, o PLS 166/2018 tem apoio de, pelo menos, 43 parlamentares, mais da metade dos 81 senadores. Eles assinaram um manifesto em favor da proposta e o entregaram a Tebet. Já levantamento feito pelo jornal O Estado de S. Paulo aponta que 51 parlamentares são favoráveis ao PLS, enquanto oito são contra e 21, não responderam.

A coleta de assinaturas para o manifesto foi organizada pelo senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR). Em entrevista ao Correio, ele disse que o acordo de líderes, priorizando a PEC da Câmara, “não reflete a posição dos liderados”. O parlamentar afirmou também que o PLS 166/2018 permite ao Congresso dar uma resposta mais rápida à sociedade, uma vez que PEC tem tramitação mais lenta. Na opinião do senador, a pressão da Câmara visa adiar uma decisão sobre o assunto. “Mais de 100 parlamentares respondem a processos na Justiça, e, claro, eles não querem a prisão em segunda instância, porque todos poderiam ir para a cadeia”, disparou.

Homenagem

Ontem, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, disse ser necessário buscar o combate “rigoroso” à corrupção, ao defender o retorno do antigo entendimento, que previa detenção após condenação por colegiado. Ele foi homenageado, ontem, em audiência pública na Câmara em comemoração ao Dia Internacional Contra a Corrupção.

No discurso, o ministro afirmou que muitos parlamentares são sensíveis à necessidade sobre prisão em segunda instância. Ele defendeu empenho vigoroso contra o mal, “sem vacilos, sem impedir aqueles que lutam contra a corrupção”, e emendou afirmando que os “vacilos” não têm ocorrido por parte do governo federal.

O ex-juiz frisou que a situação do país, hoje, “é muito diferente da de cinco, seis anos atrás, quando não acreditaríamos que um esquema, como o revelado na Lava-Jato, seria descoberto, provado, e seus envolvidos levados às cortes de Justiça”. Ao comentar a recente mudança de entendimento do STF, Moro disse que há “alguns revezes no cenário anticorrupção, mas não vieram do governo”.

Interpretação

Já o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux afirmou, em palestra no Ministério da Justiça, também ontem, que a decisão da Corte tem sido mal interpretada e que ela impede somente a prisão automática. “O Supremo Tribunal Federal decidiu, por maioria, vencida em parte, que não pode haver prisão automática em segunda instância. Então, se o juiz, avaliando a prática dos crimes do réu, sabendo que nessa seara dos delitos de corrupção, lavagem de dinheiro, peculato, a possibilidade de destruição de prova é imensa, o juiz pode perfeitamente impor que o réu não recorra em liberdade. E os tribunais podem reafirmar isso. Claro que os tribunais dependem de uma provocação do MP (Ministério Público)”, destacou.

Fux disse respeitar a decisão do colegiado, mas que é preciso estabelecer alguns critérios que não estão sendo observados nem pelo MP nem pelo Judiciário. “Se juízes e promotores atentarem para alguns fatos, há possibilidade de se aplicar a prisão em segunda instância.”