Correio Braziliense, n. 20631, 17/11/2019. Mundo, p.12

No embalo da Bolívia



Estimulado pela queda do presidente esquerdista da Bolívia, Evo Morales, aliado do regime chavista, o líder da oposição na Venezuela, Juan Guaidó, voltou ontem às ruas de Caracas para convocar seus partidários a “seguir o exemplo”. “A Bolívia ficou 18 dias, nós ficamos anos”, discursou Guaidó, proclamado em janeiro presidente interino pela Assembleia Nacional e reconhecido oficialmente por mais de 50 países, entre eles o Brasil.

Os 5 mil manifestantes que acompanharam Guaidó em uma marcha até a Embaixada da Bolívia em Caracas eram uma imagem pálida das manifestações de dezenas de milhares de opositores comandadas no início do ano pelo presidente interino autoproclamado. Ainda assim, foi o maior protesto contra o governo chavista desde 1º de maio — o dia seguinte a uma tentativa fracassada de Guaidó para comandar um levante militar e derrubar Maduro.

“Não vamos desmaiar, desfalecer”, apelou o líder oposicionista. Está na hora de continuar. Peço a toda a Venezuela para que nos mantenhamos em protesto.” Antes de liderar a marcha até a representação diplomática boliviana, Guaidó conversou por telefone com Jeanine Áñez, que se proclamou presidente interina de seu país após a renúncia de Morales, que partiu em exílio para o México. De acordo com o líder antichavista, Áñez pediu a ele que “liberte o povo venezuelano”.

“Rua sem volta significa que temos uma agenda de conflito permanente”, disse o presidente interino. “Aqui, a luta é até o fim da usurpação, até conseguirmos eleições livres”, afirmou, para em seguida reforçar o apelo aos militares venezuelanos. “Estou pedindo que se coloquem ao lado da Constituição. Precisamos que as Forças Armadas atendam o chamado do povo inteiro.”

Depois de mais de seis meses praticamente fora do noticiário internacional e sem ter conseguido avanços práticos na campanha para tirar Maduro do poder, Guaidó enfrenta contestações dentro do próprio campo antichavista — de maneira semelhante com o que ocorreu com o ex-governador Henrique Capriles, derrotado pelo chavismo na disputa presidencial de 2013. Uma pesquisa recente do instituto Delphos indicou que 38% dos venezuelanos que se identificam como partidários da oposição defendem a escolha de um novo líder. “Se não acontecer nada extraordinário, a liderança de Guaidó pode ir para a geladeira”, disse à agência de notícias France-Presse o cientista político Jesús Castillo-Molleda.

Sintomaticamente, Caracas assistiu ontem também a uma concentração de simpatizantes do governo. Vestidos de vermelho, como de hábito, centenas de chavistas foram ao centro da capital manifestar apoio a Maduro e ao aliado Evo Morales, a quem consideram vítima de um golpe de Estado. “Mobilizados e alertas! Hoje, as ruas de Caracas se enchem com a alegria de nosso povo para defender seu direito sagrado à democracia, à liberdade, à convivência e à felicidade”, escreveu no Twitter o presidente chavista. “Digamos ao mundo que a Venezuela está de pé e em paz, construindo a pátria socialista.”

Invasão

Na noite de sexta-feira, homens armados e mascarados invadiram a sede do partido de Juan Guaidó, e roubaram computadores, denunciaram dirigentes e testemunhas. Vestidos de preto, com armas longas e pistolas, os encapuzados entraram à força nos escritórios do Vontade Popular, no setor leste da capital venezuelana, onde cerca de 30 pessoas estavam presentes.

“Foram vítimas de um sequestro”, denunciou à imprensa o presidente interino, que chegou ao local minutos depois da partida dos assaltantes. “Chega de a ditadura continuar amedrontando nossa gente”, disse Guaidó em um vídeo que gravou para as redes sociais, reforçando a convocação para a marcha de ontem.

Frase

"A Bolívia ficou 18 dias, nós ficamos anos. Aqui, a luta é até o fim da usurpação, até conseguirmos eleições livres”

Juan Guaidó,

líder da oposição na Venezuela