Correio Braziliense, n.20578, 25/09/2019. Política. p. 3

Bolsonaro vai ao ataque
Denise Rothenburg

 

Nova York (EUA) — Em sua estreia nas Nações Unidas, o presidente Jair Bolsonaro foi… Jair Bolsonaro. Em termos conciliatórios, pode ter ficado aquém do que esperavam outros líderes, como Emmanuel Macron, da França, que sequer ouviu todo o discurso do presidente, porque foi para uma reunião com o governador do Amapá, Waldez Goés (veja reportagem nesta página). Porém, para outros, como o presidente Donald Trump, que o parabenizou, e aqueles que o apoiam nas redes sociais, o chefe do Executivo foi “épico”, conforme foto que circulou com essa expressão destacada em verde e amarelo. O presidente não saiu um milímetro do que pensa e pretende empreender o que disse ao longo da sua campanha. “Apresento aos senhores um novo Brasil, que ressurge depois de estar à beira do socialismo”, começou ele, logo de saída, citando o PT e o acordo com a “ditadura cubana” a respeito do programa Mais Médicos.

Na largada, deu para perceber que Bolsonaro não estava ali para ser diferente do que vinha pregando até o momento nem tampouco para chamar Emmanuel Macron de “meu querido amigo”. O único presidente no exercício do cargo citado no discurso foi Donald Trump, quando o brasileiro mencionou a Amazônia. “É uma falácia dizer que a Amazônia é patrimônio da humanidade e um equívoco, como atestam os cientistas, afirmar que a nossa floresta é o pulmão do mundo. Valendo-se dessas falácias, um ou outro país, em vez de ajudar, embarcou nas mentiras da mídia e se portou de forma desrespeitosa, com espírito colonialista”, disse.

Ele prosseguiu: “Questionaram aquilo que nos é mais sagrado: a nossa soberania. Um deles, por ocasião do encontro do G7, ousou sugerir aplicar sanções ao Brasil, sem sequer nos ouvir”, frisou, sem citar a França nem seu presidente. O chefe do Executivo brasileiro passou, então, ao agradecimento a Trump. “Agradeço àqueles que não aceitaram levar adiante essa absurda proposta. Em especial, ao presidente Donald Trump, que bem sintetizou o espírito que deve reinar entre os países da ONU: respeito à liberdade e à soberania de cada um de nós”, completou, com um recado direto a Antonio Guterres, secretário-geral das Nações Unidas.

No dia anterior, Guterrez havia liderado a cúpula do clima sem que o Brasil tivesse voz no encontro, porque o presidente não havia chegado, e o ministro Ricardo Salles não pôde falar por não ser chefe de Estado. Entretanto, a jovem brasileira Paloma Costa e a sueca Greta Thunberg abriram o evento, cobrando ações concretas das Nações. Bolsonaro, em suas declarações, reagiu: “A ONU pode ajudar a derrotar o ambiente materialista e ideológico que compromete alguns princípios básicos da dignidade humana. Essa organização foi criada para promover a paz entre nações soberanas e o progresso social com liberdade, conforme o preâmbulo de sua Carta”, frisou.

Bíblia

Bolsonaro acrescentou que “nas questões do clima, da democracia, dos direitos humanos, da igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres e em tantas outras”, tudo o que é necessário está contido na Bíblia, em João 8:32: “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará?”. “Todos os nossos instrumentos, nacionais e internacionais, devem estar direcionados, em última instância, para esse objetivo. Não estamos aqui para apagar nacionalidades e soberanias em nome de um interesse global abstrato. Esta não é a Organização do Interesse Global. É a Organização das Nações Unidas. Assim deve permanecer”, destacou.

A maior parte do discurso — em que ele frisou a liberdade econômica, as questões da Amazônia e o fato de a França e a Alemanha terem mais de 50% do território destinado à agricultura, enquanto o Brasil usa apenas 8% — foi acompanhada atentamente pelas delegações de todos países, à exceção da francesa, que estava em reunião com o governador do Amapá. Prestaram muita atenção quando ele mencionou que o seu governo tem “o compromisso solene com a preservação do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável em benefício do Brasil e do mundo”.

Houve um certo burburinho quando Bolsonaro disse que havia acabado o tempo do cacique Raoni. Ele afirmou também que não haverá aumento da área de terras indígenas demarcadas de 14% para 20% “como querem alguns chefes de Estado”, ressaltou. Surgiram conversas laterais em algumas bancadas no momento em que o presidente citou os antecessores. “Presidentes socialistas que me antecederam desviaram centenas de bilhões de dólares comprando parte da mídia e do parlamento, tudo por um projeto de poder absoluto. Foram julgados e punidos graças ao patriotismo, à perseverança e à coragem de um juiz que é símbolo no meu pais, o doutor Sérgio Moro, nosso atual ministro da Justiça e Segurança Pública.”

Petistas

Bolsonaro fez questão, ainda, de mandar um aviso a nações ajudadas pelos governos petistas no passado. “Esses presidentes também transferiram boa parte desses recursos para outros países, com a finalidade de promover e implementar projetos semelhantes em toda a região. Essa fonte de recursos secou”, afirmou. “Esses mesmos governantes vinham aqui, todos os anos, e faziam descompromissados discursos com temas que nunca atenderam aos reais interesses do Brasil nem contribuíram para a estabilidade mundial. Mesmo assim, eram aplaudidos.”

O presidente também ouviu aplausos de algumas bancadas, como a americana e a argentina. Os europeus, como a chanceler alemã Angela Merkel, preferiram a ironia. Ela deu ao discurso do presidente brasileiro cinco aplausos em câmera lenta, com um largo espaço entre eles.

Na 13ª fila

Embora Bolsonaro tenha criticado o PT e dito que foi vítima de uma facada por um militante da esquerda, a comitiva brasileira estava na 13ª fileira, do canto esquerdo do plenário da ONU. Lá, sentaram os ministros das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e do Meio Ambiente, Ricardo Salles; a primeira-dama, Michelle Bolsonaro; a índia Ysani Kalapalo; o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP); e o senador Nelsinho Trad (PSD-MS). A distribuição de lugares funciona em sistema de rodízio, com troca todos os anos para que cada nação tenha a oportunidade de ficar à frente. Este ano, o Brasil ficou lá atrás.

 

Conversa com franceses


Nova York — Enquanto o presidente Jair Bolsonaro discursava na tribuna da ONU, a comitiva francesa, encabeçada pelo presidente Emmanuel Macron, fazia uma reunião a portas fechadas, numa das salas da entidade internacional, com o governador do Amapá, Waldez Góes (PDT), presidente do Consórcio da Amazônia Legal. Os chefes dos Executivos estaduais da região e representantes de países europeus no Brasil retomarão a conversa em Brasília, no escritório da embaixada da Alemanha, na semana que vem, incluindo ainda outras nações da Europa.

“Não acompanhei o discurso, porque chegou a delegação francesa e tive que iniciar a reunião. O que eu entendo é que precisa diminuir o tom de todos os lados. E não estou falando isso agora, falamos com o presidente Bolsonaro e com a equipe dele”, afirmou Góes. “Não vamos abrir mão disso (do diálogo).”

O governador ressaltou ter dito ao presidente Macron que as diferenças entre os presidentes não pode estar acima do projeto. “Vamos trabalhar para que essa relação seja refeita”, destacou o governador, que esteve com representantes da embaixada da França antes da reunião com o líder europeu. “O Consórcio da Amazônia será interlocutor”, contou. “É preciso que esse tom entre eles seja revisto. Estamos falando de aquecimento global, de desigualdades, de oportunidades. Não aceitamos mais sermos vítimas (da falta de relação) daqueles que devem nos representar nessa grande agenda, seja internacional, seja nacional.”

Góes disse que decidiu agir. “Não aceitamos ficar discutindo o futuro da nossa gente sem ouvi-la. Por que ficar fora? Por que a comunidade mundial vai debater sem ouvir a comunidade local? Já somos vítimas de tantas coisas, temos a maior vulnerabilidade social. Não acreditamos em soluções se estivermos fora desse debate, seja com a comunidade nacional, seja internacional.”

O consórcio dos governadores planeja, inclusive, agir sozinho, segundo Góes, caso os governos brasileiro e francês não retornem à boa convivência. “Não vamos abrir mão. Governadores da Amazônia estão certos da importância de dialogar com a comunidade nacional e internacional. Não estamos nos posicionando contra o governo nacional, há três governadores do partido de Bolsonaro. Estamos nos posicionando é a favor de uma agenda de interesse da Amazônia e mundial.” (DR)

 

Políticos se dividem

Rodolfo Costa


O discurso do presidente Jair Bolsonaro na ONU dividiu opiniões no mundo político. Quem aproveitou para dar uma alfinetada foi o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que classificou como “inadequada e inoportuna” a fala do chefe do Executivo federal. Em declaração após um evento em São Paulo, o tucano comentou que o discurso “não teve referências que pudessem trazer respeitabilidade e confiança no Brasil no plano ambiental, econômico ou político”.

A estocada demonstra um posicionamento de Doria na disputa política. Aliados de Bolsonaro classificam como um movimento eleitoral, mirando o eventual embate dos dois nas eleições presidenciais de 2022.

No Congresso, o presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara, Rodrigo Agostinho (PSB-SP), criticou o pronunciamento, dizendo que segue “na contramão do resto do planeta”. “Que busca, hoje, na sustentabilidade, o único caminho possível. Infelizmente, o presidente acabou optando por ficar junto à sua minoria, a pessoas atrasadas”, sustentou.

O líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), saiu em defesa do governo. “Foi um discurso altivo e independente de um presidente que quer uma inserção não ideológica do Brasil no cenário mundial”, frisou. Presidente da Comissão de Agricultura da Câmara, o deputado Fausto Pinato (PP-SP) fez boa avaliação do discurso. “Defendeu com estratégia e moderação a soberania brasileira. Dentro da concepção do Bolsonaro, foi uma fala ponderada, pragmática e sem ser agressiva.”