O Globo, n. 31549, 23/12/2019. Sociedade, p. 22

Terapia complementar: anti-homeopatia
Ana Letícia Leão


Quase 40 anos após ser reconhecida como prática médica no Brasil, a cobertura da homeopatia no Sistema Único de Saúde (SUS) está sendo questionada por um grupo de cientistas. O movimento vem na esteira de ações similares ocorridas no exterior e, aqui, é encabeçado pelo Instituto Questão de Ciência (IQC). A Associação Médica Homeopática Brasileira critica o movimento.

O IQC já fez uma representação na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e no Conselho Federal de Medicina (CFM) questionando a validade científica da homeopatia e pedindo que a prática seja retirada do rol de atendimentos públicos no país.

— Estamos exigindo que eles acolham as evidências científicas de que a homeopatia não funciona. É dinheiro dos contribuintes que não está sendo usado da forma mais racional, porque as soluções homeopáticas são preparadas com diluições que não têm uma única molécula da substância original — critica Natália Pasternak, bióloga, pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas da USP e presidente do IQC.

Fundado em 2018, o instituto é uma organização sem fins lucrativos composta de médicos, físicos, biólogos e químicos. A entidade se autodenomina o “primeiro instituto no país voltado para a defesa do uso de evidência científica nas políticas públicas”.

O princípio da ultradiluição, presente na homeopatia, deu origem ao nome da campanha, “10²³”, em referência ao número de Avogadro, uma constante química que representa a maior diluição possível de um composto mantendo uma molécula da solução original.

— As soluções da homeopatia são preparadas em diluições muito maiores do que 10²³. Quando se faz uma análise química desses remédios, só tem água e açúcar —diz Natália.

O movimento brasileiro para banir a homeopatia do SUS é inspirado no que ocorreu lá fora. O Reino Unido retirou totalmente a prática do sistema público de saúde britânico, no ano passado, após iniciativa semelhante.

— Não banimos a homeopatia, mas, agora, as pessoas que querem usá-la o fazem pelo sistema particular —diz Michael Marshall, da Good Thing Society, ONG que comandou a briga contra a homeopatia no Reino Unido.

A Austrália também travou uma longa discussão contra terapias complementares que culminou, em abril deste ano, com o fim de subsídios para 17 terapias naturais analisadas, incluindo a homeopatia.

Revisão técnica

No Brasil, a homeopatia no SUS está inserida na Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares, que tem o recurso vinculado ao Piso da Atenção Básica dos municípios.

Segundo o Ministério da Saúde, em 2018 foram destinados R$ 17,6 bilhões para a Atenção Básica (13,5% do orçamento total do SUS, de R$ 130,4 bilhões). Como o recurso é gerenciado pelas prefeituras, o ministério alega não saber o valor exato gasto com homeopatia.

Ainda segundo o ministério, as terapias integrativas do SUS estão passando por uma revisão técnica.

“A pasta irá manter na lista dos serviços ofertados as práticas que obtiverem evidências científicas sólidas de efetividade para a prevenção de doenças.”

A Anvisa afirmou ao IQC que não é sua atribuição “a inclusão ou exclusão de terapias ou procedimentos, nem mesmo dos medicamentos a serem fornecidos pelo SUS”. À reportagem, o Conselho Federal de Medicina informou que o documento enviado pelo IQC foi encaminhado para análise técnica.

Gasto irrisório

Um estudo realizado pelo Observatório Nacional de Saberes e Práticas Integrativas da Fiocruz em Pernambuco revelou que, dos R$ 120,36 bilhões repassados, em 2017, a todo o sistema de saúde naquele ano, R$ 2,6 milhões foram gastos com práticas integrativas, o que corresponde a 0,008% do total dos procedimentos.

— O gasto é irrisório — observa Islândia Carvalho, responsável pelo estudo.

Atualmente, há 2.900 médicos homeopatas no país, responsáveis pelo atendimento de 50 milhões de pessoas. Para Luiz Darcy Siqueira, presidente da AMHB (Associação Médica Homeopática Brasileira), o movimento anti-homeopatia é uma resposta ao crescimento da prática.

— As pessoas estão diminuindo o uso de medicamentos e, logicamente, isso afeta a “big farma” — diz.

Só em São Paulo, a homeopatia está disponível em 19 postos de saúde pública. De 2015 a 2019, foram realizadas, em média, 20 mil consultas ao ano.