Correio Braziliense, n. 20633, 19/11/2019. Mundo, p. 12

Um mês de convulsão social no Chile



Diversos protestos e novos confrontos entre manifestantes e os carabineiros (a tropa de elite da polícia) marcaram ontem um mês da convulsão social que colocou contra a parede o presidente chileno, Sebastián Piñera. O que começou com estudantes de ensino médio se negando a pagar bilhetes do metrô levou à mais profunda crise social desde o retorno à democracia, após a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990). Entre as demandas dos ativistas sem rosto estão uma divisão melhor das riquezas e a implementação de políticas de bem-estar social. O levante mudou em 30 dias o Chile e modificou por completo a agenda do Executivo e do Parlamento.

“Nas últimas quatro semanas, o Chile mudou; os chilenos mudaram, o governo mudou; todos mudamos. O pacto social sob o qual tínhamos vivido rachou”, declarou Piñera, em mensagem ao país na noite de domingo, na qual celebrou o acordo político que permitiria a mudança constitucional. Depois de intensas negociações, o Congresso chileno aprovou, na sexta-feira, um acordo para convocar um plebiscito em abril de 2020 para decidir mudar ou não a Carta Magna e escolher o mecanismo por meio do qual seria feita a mudança: uma assembleia Constituinte ou uma convenção mista, integrada em partes iguais por constituintes e congressistas.

“Estamos todos conscientes de que vestíamos uma camisa de força, que era uma Constituição herdada, pétrea, que não se podia mudar”, disse o ex-presidente socialista (2000-2006) Ricardo Lagos, em entrevista à CNN-Chile. Uma pesquisa publicada ontem pela consultoria privada Cadem revelou que 67% dos chilenos avaliam como “bom” ou “muito bom” o acordo constitucional a partir do qual se uniram os partidos do governo e da esquerda opositora.

Neste cenário, o Congresso apressava a discussão para aumentar em 50% a pensão básica solidária, fixada hoje em US$ 133 (cerca de 558), uma opção que, para o governo, não pode se concretizar de forma imediata. “Não há dinheiro. Quero ser responsável e muito claro em dizê-lo. Isso significa US$ 1 bilhão que o Chile não tem (...) Não estamos em condições de ter acesso a isto”, afirmou o ministro da Fazenda, Ignacio Briones.

Em 30 dias de protestos, 22 pessoas morreram, quase 15 mil chilenos foram detidos, 79 estações do metrô de Santiago acabaram alvos de vandalismo. Mais de 200 civis sofreram lesões oculares graves, depois de serem atingidas por projéteis de chumbo disparados pela polícia. Ontem, o terminal do metrô da comuna de Puente Alto (sul) voltou a abrir as portas depois de permanecer fechada por um mês e deixar praticamente sem mobilidade pública os quase 800 mil habitantes desta comuna popular do sul da capital chilena.