Correio Braziliense, n. 20659, 15/12/2019. Política, p. 4

Índios sem políticas públicas
Renato Souza


Desde 1º de novembro, conflitos envolvendo povos indígenas, moradores, fazendeiros e madeireiros na região do Maranhão têm chamado atenção do país e preocupado autoridades. Em um mês e meio, quatro integrantes da etnia Guajajara foram mortos em situações que ainda precisam ser esclarecidas.

Décadas de descaso em relação às políticas públicas voltadas para as cidades e reservas indígenas da localidade agravam problemas e geram conflitos. Enquanto o governo federal declara que não vai demarcar terras indígenas e provoca mudanças em órgãos que atuam no setor, o risco de novos embates entre índios e população local aumenta. O povo Guajajara é uma das maiores comunidades indígenas no país, com cerca de 12 mil integrantes em todo o território nacional. Apenas na reserva Terra Indígena Cana Brava vivem cerca de 4,5 mil. Uma manobra do governo para gerar economia, em 2001, gestão do então presidente Fernando Henrique Cardoso, é o principal motivo dos atos de hostilidade no local.

A reserva faz limites com três municípios: Barra do Corda, Jenipapo dos Vieiras e Grajaú. Para chegar até essas cidades, a população precisa passar pela BR 226, que, por motivo de economia, foi construída de uma maneira que um de seus trechos corta a Terra Indígena Cana Brava ao meio. Em decorrência do uso do território, os Guajajaras cobram pedágio de quem passa. De acordo com moradores ouvidos pela reportagem, apesar de a cobrança ser voluntária, é comum que as pessoas sejam obrigadas a pagar ou deixar algo de valor para poder seguir viagem quando a via é fechada pelos indígenas que realizam protestos na estrada. Essa é uma forma de gerar economia na reserva, que não integra nenhum programa de agricultura desenvolvido pela Fundação Nacional do Índio.

Imposição

O professor Cláudio Braga — membro do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indiodescendentes (Neabi) do Instituto Federal de Educação do Maranhão — atua nas pesquisas do campus do instituto em Barra do Corda. Para ele, o fato de a BR 226 passar por dentro da reserva é o motivo dos conflitos no local. “Na década de 1990, não existia essa BR 226. Mas, no começo dos anos 2000, foi feito o projeto para asfaltar a estrada até Imperatriz. Ocorreu a dúvida sobre dar a volta pela reserva ou cortar a região ao meio. Por uma questão de economicidade, fizeram a estrada por dentro da reserva”, contou. “Se eu fosse dizer quem é o culpado disso aqui, é o governo. Quis economizar dinheiro. Não existe, em outro local do Brasil, uma BR passando dentro de uma reserva indígena. A solução era ter tangenciado, passado por fora da reserva. Assim, não existiria essa história de fechar a BR, e a polícia poderia intervir em caso de problemas. Como a BR passa dentro da área deles (índios), eles têm direito de fechar e dizer quem passa e quem não passa. Essa é a questão.”

As doações e pedágios recolhidos na BR garantem a subsistência da comunidade indígena. Dentro da reserva também existe plantação de maconha, que é utilizada na fabricação de produtos como bolos e cachaças de cannabis. No entanto, o comércio da droga acaba se perpetuando pelas cidades vizinhas e atraindo a população para a venda, proibida fora da área indígena. Além disso, o aumento de assaltos contra carros de passeio, ônibus e caminhões, realizados por criminosos que se escondem na reserva, tem preocupado passageiros e motoristas. Procurada pela reportagem para responder sobre a assistência econômica ao povo Guajajara, a Funai não retornou. O Ministério da Infraestrutura foi questionado sobre a possibilidade de extensão da BR, para contornar a reserva, mas não se posicionou até a publicação desta reportagem.