Correio Braziliense, n. 20661, 17/12/2019. Brasil, p. 5

Estabilidade preocupante
Maria Eduarda Cardim


O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgou ontem os dados do Projeto de Monitoramento do Desmatamento (Prodes) do Cerrado nos quais constatou que o desmatamento do bioma, de agosto de 2018 a julho de 2019, foi o menor desde o início da série histórica, em 2000. Ao todo, 6.483 km² de vegetação nativa desapareceram, o que representa, numa comparação com o período imediatamente anterior, uma diminuição de 2,26%. Mas, mesmo assim, quando se consideram apenas as unidades de conservação, a destruição cresceu 15%. Especialistas se preocupam com os números, que consideram estabilizados.

Segundo o diretor de Conservação e Restauração do WWF-Brasil, Edegar de Oliveira Rosa, apesar da redução, os 6.483km² mostram uma estabilidade na taxa de desmatamento. Desde 2016, o número está na faixa dos 6.000km² destruídos. “Os dados ainda estão em patamar muito preocupante. Isso para o Cerrado é um número extremamente alto. Você tem que pensar que a Amazônia, que teve 9.762km² desmatados, tem o dobro do tamanho do Cerrado”, alerta.

De acordo com as informações divulgadas em novembro, a área desmatada na Amazônia teve um aumento de 29,5% em relação ao mesmo período anterior.  Edegar explica que cada bioma sofre de maneira diferente.

“Por ser um ambiente com diferentes ecossistemas, com características de ligação entre os biomas, cada pedaço que perdemos do Cerrado conta muito”, lamenta.

Segundo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o território afetado abriga aproximadamente “200 espécies de mamíferos, 800 espécies de ave, 180 de répteis, 150 de anfíbios e 1200 espécies de peixes”.

“Sob o ponto de vista da perda de espécies, é como se a gente estivesse queimando conhecimento. Temos um banco de dados de medicação, alimentos, e outras coisas, que está espelhado nessa biodiversidade do cerrado”, ressalta Edegar. Mesmo com tanta importância, a porcentagem de áreas protegidas no bioma ainda é pequena: cerca de 8,21% do território é legalmente preservado com unidades de conservação.

Números crescentes

Os números do Prodes Cerrado expõem que a quantidade de vegetação nativa suprimida nas unidades de conservação cresceu. De agosto de 2018 a julho de 2019, 517,31km² foram desmatados dentro dessas unidades — número 15% maior do que o mesmo período anterior. O diretor de Conservação e Restauração do WWF-Brasil acredita que o crescimento esteja ligado à impunidade em favor de quem desmata. “Isso não é diferente do que aconteceu na Amazônia. Com essa mensagem que o governo passa, se criou um senso de impunidade, e o nível de controle dentro dessas áreas diminuiu”.

Em novembro passado, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que não seria possível acabar com o desmatamento e com as queimadas no Brasil, já que, segundo ele, se trata de uma questão “cultural”. O comentário foi referente aos dados da Amazônia divulgados pelo Inpe.

O Tocantins foi o estado que teve a maior área de vegetação desmatada, com 1.495,69km². O DF apresentou a menor variação percentual, e abriu 69,37% a menos do que no mesmo período anterior. Foram extintos 2,51km² dentro do Distrito Federal.

Definido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2004, o Cerrado corresponde a 24% do território brasileiro e abrange os estados de Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Bahia, Maranhão, Piauí, Rondônia, Paraná, São Paulo, além do Distrito Federal.

A destruição de um ecossistema desde 2000

2001/2002 = 29.423km²

2003/2004 = 29.939km²

2005/2006 = 17.612km²

2007/2008 = 13.783km²

2009/2010 = 9.994km²

2011/2012 = 9.540km²

2013 = 13.061km²

2014 = 10.824km²

2015 = 11.675km²

2016 = 6.789km²

2017 = 7.311km²

2018 = 6.634km²

2019 = 6.483km²

Supressão de área nestes setores protegidos

2015 = 748,41km²

2016 = 435,47km²

2017 = 362,85km²

2018 = 449,68km²

2019 = 517,31km²