Correio Braziliense, n. 20637, 23/11/2019. Mundo, p. 10

Evo é acusado de terrorismo e sedição

Rodrigo Craveiro


A decisão do governo interino da Bolívia de apresentar formalmente uma denúncia contra o ex-presidente Evo Morales, sob a acusação de sedição e terrorismo, criou uma clima de suspense no momento em que governo e oposição buscavam um alinhamento em torno da convocação de eleições. ;São duas denúncias, uma contra Evo Morales, ex-presidente, por sedição e terrorismo, e estamos pedindo a pena máxima de prisão; e a outra denúncia contra o ex-ministro (da Presidência) Juan Ramón Quintana (pelos mesmos crimes). As provas estão claras, são públicas e nós as apresentamos;, declarou Arturo Murillo, ministro do Governo (Interior), ao visitar o Ministério Público, em La Paz. Pouco depois, a Procuradoria Geral do Estado ordenou uma investigação contra o líder indígena e cocaleiro.
Como prova, Murillo levou ao Ministério Público um áudio de um telefonema no qual Morales supostamente ordena a um simpatizante que mantenha o cerco às cidades e interrompa o fornecimento de alimentos, por meio do bloqueio de estradas. Se Morales for a julgamento, poderá ser condenado a 30 anos de prisão. O ex-presidente tinha comentado a manobra de Murillo horas antes de a notícia se tornar pública. ;Denuncio o governo de fato da Bolívia por criar uma montagem, com intenção de me levar a um julgamento internacional. Apelar à manipulação judicial para aprisionar líderes anti-imperialistas, de esquerda e progressistas é algo que já fizeram com Lula, Cristina (Kirchner) e (Rafael) Correa;, escreveu no Twitter.
Dissuasão
Yercko Ilijic Crosa, professor de direitos humanos da Universidade Católica Boliviana San Pablo (em La Paz), explicou ao Correio que a denúncia contra Evo Morales é uma medida simbólica dissuasiva, especialmente em relação ao governo do México. ;A ideia por trás da denúncia, somada à reclamação da chancelaria boliviana (de que Evo estaria usando o asilo político no México para conspirar), é deter a onda de comentários negativos contra o governo de Áñez e conter a comunicação com grupos armados irregulares que respondem ao Movimento ao Socialismo (MAS, partido de Morales);, afirma. Segundo ele, o MAS se rompe com Morales, a fim de garantir sua participação no processo de eleições gerais.
Por sua vez, Marcelo Arequipa, doutor em ciência política e professor da mesma universidade, concorda que alguns dos integrantes do MAS têm se distanciado da defesa de Evo Morales. ;O partido busca tentar apontar um ;governo de terror;, que semeia medo e incertezas e manejar politicamente as coisas com essa atitude. Eu creio que a Assembleia Legislativa Plurinacional da Bolívia convocará eleições em breve. As negociações caminham para esse rumo;, avaliou à reportagem. O estudioso duvida que o julgamento do ex-presidente seja concretizado. ;Para isso, será necessária a maioria do Senado, com uma bancada de 13 senadores para aprovar o juízo. Hoje, isso é impossível. Por ora, para obter uma saída eleitoral, o MAS precisará isolar Evo.;
Atentado
Morales se disse ;convencido; de que sofreu um atentado terrorista em 4 de novembro. Ele lembrou o episódio em que o helicóptero no qual viajava precisou fazer um pouso de emergência, ao apresentar um problema mecânico. ;Surpreendentemente, o helicóptero baixou. Eu ainda estava pensando que era por um problema, mas agora estou convencido de que foi um ataque;, afirmou o ex-presidente, em entrevista realizada pelo presidente equatoriano Rafael Correa para a rede de televisão russa RT e transmitida ontem. De acordo com ele, o comandante geral da Força Aérea, o general Jorge Gonzalo Terceros Lara, estaria por trás dessa tentativa de assassinato.
Críticas do
amigo Lula
O ex-presidente boliviano Evo Morales cometeu um erro ao buscar um quarto mandato, afirmou ontem o ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva em entrevista ao The Guardian. Segundo o jornal britânico, Lula, que deixou a prisão em 8 de novembro depois de cumprir 19 meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, não deu nenhuma indicação clara de que se candidatará a presidente em 2022. Evo Morales estava há quase 14 anos no poder quando tentou garantir um quarto mandato na polêmica eleição de 20 de outubro. Meu amigo Evo cometeu um erro ao buscar um quarto mandato como presidente, disse Lula, apesar de denunciar que ;o que eles fizeram com ele foi um crime e um golpe de Estado.