O Globo, n. 31554, 28/12/2019. Economia, p. 19

União corre risco de perder R$ 634 bi na Justiça
Manoel Ventura


O governo federal viu disparar, nos últimos anos, o risco de sofrer derrotas na Justiça em ações com impacto direto nos cofres públicos. Os processos com risco de perda classificado de "provável" pela União cresceram quase oito vezes desde 2014 e já somam R$ 634 bilhões . Há cinco anos, o valor era de R$ 81 bilhões.

Os dados fazem parte do primeiro relatório consolidado do Tesouro que analisa os riscos fiscais para o governo federal, divulgado ontem. O documento avalia o risco de a União ter de gastar mais que o previsto no Orçamento por causa de demandas judiciais ou outros fatores.


O volume de perda provável é bem maior que os R$ 403 bilhões que o governo considera provável receber de devedores incluídos na dívida ativa da União.

O principal motivo para a disparada nos riscos da União foi a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que tirou o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) da base de cálculo do PIS e da Cofins. A perda, neste caso, está estimada em R$ 246 bilhões. O Supremo ainda vai definira aplicação dessa decisão. Será preciso decidir, por exemplo, se o governo terá que devolver dinheiro para quem pagou imposto a mais.


Pagamento também cresce

De 2014 a 2019, os valores associados a processos contra a União cresceram 290%, passando de R$ 559 bilhões para R$ 2,1 trilhões. Nessa conta estão também processos que o governo classifica como perda "possível".

Daquele montante, enquanto 71% (R$ 1,5 trilhão) se referem a ações de risco possível, 29% (R$ 634 bilhões) dizem respeito a ações classificadas de risco de perda "provável".

Segundo o texto, o crescimento das perdas potenciais "revela a necessidade de uma especial atenção ao tema". Os efeitos orçamentários e financeiros das decisões só se darão no fim do julgamento, com o pagamento das dívidas pela União. Mas esses pagamentos também têm crescido nos últimos anos.


Enquanto em 2014 os pagamentos referentes a ações judiciais ficaram em R$ 19,8 bilhões, em 2018 chegaram a R$ 38,2 bilhões, um avanço de 93%. O número do ano passado representou 2,8% de todas as despesas do governo. Em 2019, o montante deve ficar em R$ 42 bilhões. Para 2020, esse gasto pode chegar a R$ 53 bilhões.

"Considerando que os gastos decorrentes de ações judiciais são despesas primárias (ou seja, são valores que entram na contabilidade federal), a sua trajetória ascendente revela-se ameaçadora do equilíbrio fiscal brasileiro, impactando diretamente importantes parâmetros fiscais, como o teto de gastos e a própria meta de resultado primário", destaca o relatório.


No Congresso, projetos tentam levar R$ 1,4 tri a estados e municípios

O governo federal pode perder R$ 1,4 trilhão em dez anos, caso o Congresso aprove um conjunto de propostas que beneficiam estados e municípios. A conta foi apresentada ontem em relatório do Tesouro Nacional sobre os riscos fiscais da União. Só para 2020, o impacto seria de R$ 256 bilhões, caso todas as propostas sejam aprovadas juntas.

Entre as iniciativas analisadas pelos técnicos está um projeto de lei que estabelece compensação, pela União, por redução de impostos estaduais para exportação, decorrentes da chamada Lei Kandir.


A União alega já ter compensado os estados exportadores como a lei exigia, mas todo ano os governadores voltam a pedir os recursos. O projeto do Congresso prevê pagamento anual de R$ 39 bilhões. O valor é 20 vezes maior do que o governo costuma repassar todos os anos.

No Senado, um outro projeto prevê reduzir novamente os juros cobrados pela União nas operações em que refinanciou as dívidas de estados e municípios. No total, o impacto seria de R$ 388,8 bilhões em dez anos.

Também tramitam no Legislativo três Propostas de Emendas à Constituição (PECs) que podem aumentar repasses da União a fundos usados por estados e municípios. 
Somadas, as propostas geram impacto de R$ 460 bilhões em uma década.

Uma das PECs já foi aprovada no Senado e, em primeiro turno, na Câmara. O texto cria uma transferência adicional de 1% ao Fundo de Participação dos Municípios.

Outra PEC eleva a alíquota do Fundo de Participação dos Estados de 21,5% para 26%.