Correio Braziliense, n. 20664, 20/12/2019. Negócios, p. 9

ICMS assombra mineração de bauxita
Nelson Cilo


São Paulo — A indústria brasileira de mineração tem vivido algo semelhante ao que os astrólogos chamam de inferno astral. Aumento dos custos da energia elétrica, queda na cotação internacional dos principais minérios e rompimento de barragens — como a da Samarco, em Mariana, e a da Vale, em Brumadinho — foram algumas das maiores dificuldades do setor.

A mais recente ameaça é a proposta de retorno da cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre as exportações de bauxita, a matéria-prima para a produção do alumínio. Segundo Milton Rego, presidente executivo da Associação Brasileira do Alumínio (Abal), se os Projetos de Emenda à Constituição (PEC) 42/2019 e 201/2019, do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) e do deputado federal Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG), respectivamente, que trazem de volta a cobrança do tributo estadual, forem aprovados, a indústria do alumínio corre o risco de entrar em colapso. “A volta dos impostos não resolverá as dificuldades financeiras dos estados, que estão em busca de novas fontes de receita, e causarão fechamento de empresas, queda de arrecadação e aumento do desemprego”, diz o executivo.

Atualmente, os estados que mais produzem bauxita e arrecadam com os royalties do minério são Pará, Maranhão, Goiás e Minas Gerais. Em 2018, do total de 8 milhões de toneladas produzidas, 6 milhões foram exportadas, principalmente para a Europa e Ásia. Pelos cálculos da Abal, a aprovação da PEC traria um impacto de US$ 440 milhões no custo das operações da lavra da bauxita e de sua transformação em alumina, o principal produto na pauta de exportações da cadeia produtiva do alumínio.

“Cobrar ICMS sobre as exportações nos colocaria na contramão das economias mais desenvolvidas, além de minar a nossa competitividade no comércio internacional”, acrescenta Rego. Anastasia e Abi-Ackel não retornaram os pedidos de entrevista.

Para o economista Rodrigo Paro Alves, especialista em comércio internacional pela Fundação Getulio Vargas (FGV), a volta do imposto estadual sobre as exportações vai afugentar empresas e reduzir a importância do setor de mineração do PIB nacional. “É um contrassenso propor aumento de impostos sobre uma atividade que já passou por queda da rentabilidade e dos investimentos”, diz ele. “Qualquer medida nesse sentido será extremamente prejudicial a todo o mercado e deve gerar mais insegurança nas empresas que planejam seus investimentos para longuíssimo prazo”.

A volta da cobrança do ICMS sobre as exportações com a revogação da Lei Kandir — que, nos anos 1990, isentou desse imposto produtos primários e semielaborados vendidos ao mercado externo — surgiu durante as discussões iniciais da reforma tributária e ganhou força depois dos desastres de Mariana e de Brumadinho, em Minas Gerais.

A medida surgiu como uma forma de punir mineradoras pelos acidentes. “A questão é que as cadeias mineradoras são diferentes entre si. A do ferro, por exemplo, dado o seu gigantismo e volume de produção, teria como absorver a cobrança do tributo. Mas não é o caso de outras cadeias produtivas, entre elas a do alumínio”, explica Rego. “O problema da PEC do senador Anastasia e da do deputado Abi-Ackel é tomar a árvore pela floresta”.

Há também a questão fiscal dos estados. A maioria deles, com o caixa em frangalhos, viu no fim da Lei Kandir a oportunidade de fazer dinheiro e aliviar o deficit. O ICMS é a maior fonte de arrecadação estadual e o imposto de maior peso no bolo fiscal nacional, respondendo por 20% de toda a arrecadação.