O Globo, n. 31554, 28/12/2019. País, p. 4

O caminho possível de Moro em 2020
Marco Grillo
​André de Souza


“Polêmica não tira méritos da lei anticrime”

Após dar prioridade em 2019 ao pacote anticrime — que trouxe avanços mas também frustração para o ministro da Justiça, Sergio Moro, com a criação do juiz de garantias —, a pasta do exjuiz da Lava-Jato deve concentrar sua atuação no próximo ano no programa de segurança pública “Em frente Brasil”, presente desde setembro em cinco municípios. Depois de quatro meses com foco em repressão e quedas nos índices de criminalidade, a pasta planeja, para o início de 2020, a integração de ações policiais com medidas sociais, com a participação de outros ministérios.

O programa representa o braço de atuação local do ministério na segurança pública, e os resultados têm sido bem avaliados por Moro. A ideia é expandir a atuação no próximo ano, conjugando também ações em parceria com governos estaduais e municipais, como abertura de vagas em creches e escolas, reforço na atenção básica à saúde, melhorias na iluminação pública e capacitação de jovens em busca do primeiro emprego. Outra frente a ser administrada por Moro é a pressão pela ampliação do programa a outros municípios. Angra dos Reis (RJ), por exemplo, vive uma crise de violência e pleiteia sua inclusão entre os beneficiados.

A pasta de Moro renovou nesta semana a atuação da Força Nacional de Segurança por mais 180 dias nos municípios que fazem parte do programa atualmente: Ananindeua (PA), Cariacica (ES), São José dos Pinhais (PR), Goiânia (GO) e Paulista (PE). A atuação conjunta de policiamento e ações sociais vai começar por Cariacica, em janeiro. As outras cidades virão na sequência.

Os municípios tiveram, em conjunto, 43% de homicídios a menos e queda de 28% nos roubos do início do programa até a primeira semana de dezembro, na comparação com o mesmo período do ano passado. Moro tem destacado também a queda no índice de assassinatos no país: 22% de janeiro a agosto, em relação a 2018.


— Iniciado esse ciclo virtuoso de redução de crimes, é nossa responsabilidade não deixar a maré mudar. Temos que intensificar essas reduções —disse Moro, em evento da Frente Parlamentar Evangélica na semana passada.

No mesmo evento, o ministro também elogiou o trabalho da Polícia Federal, responsável pelo momento mais tenso da relação de Moro com o presidente Jair Bolsonaro em 2019. Irritado com uma suspeita levantada —e depois desmentida — sobre o deputado Hélio Lopes (PSL-RJ), Bolsonaro anunciou que trocaria o superintendente da PF no Rio. Com as resistências que surgiram na própria PF, o presidente elevou a crise e ameaçou trocar o diretor-geral da Polícia Federal. O chefe da corporação, Maurício Valeixo, ficou no cargo, mas o delegado Ricardo Saadi, que comandava a corporaçãonoRio,foideslocado para uma função em Brasília ligada ao combate à corrupção e à lavagem de dinheiro.


Mais apreensões

A PF fez 455 operações em 2019 (até meados de dezembro). É o menor número desde 2015 e 27% inferior ao do ano passado — as 629 operações de 2018 foram o recorde da corporação. O volume de cocaína apreendida aumentou: 98,4 toneladas, contra 73,3 toneladas no ano passado. Em outra frente de atuação, o ministério chegou perto da meta de 22 mil novas vagas no sistema penitenciário: 19.784 foram criadas.

Parte das tentativas de Moro de endurecimento da aplicação da legislação penal esbarraram no Congresso. O ministro quis, via pacote anticrime, autorizar a prisão após a condenação em segunda instância, o que foi barrado. Outra derrota foi a introdução da figura do juiz de garantias, responsável por supervisionar investigações. Moro se posicionou contra a medida, sancionada por Bolsonaro na última quarta.

Ao longo do ano, gestos de afastamento e reaproximação marcaram o relacionamento entre ministro e presidente. Em agosto, Bolsonaro sugeriu que seria necessário dar uma “segurada” no andamento do pacote anticrime, cuja tramitação demorada incomodou Moro. No mesmo dia, porém, o presidente convidou o ministro para participar de sua 
live semanal, em um gesto público para aparar arestas.

Em 2019, relação com Bolsonaro foi marcada por afastamentos e reaproximações.

Ministro volta a criticar criação do juiz de garantias

O ministro da Justiça Sergio Moro, voltou a criticar ontem o trecho do pacote anticrime, sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro, que prevê o "rodízio" de magistrados para assegurar a implantação do "juiz de garantias" nos processos criminais. Na quarta-feira, Moro já havia marcado posição contra a decisão, argumentando que "não foi esclarecido" como será a atuação em comarcas com apenas um juiz.

No fim da tarde de ontem, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) protocolaram uma ação de inconstitucionalidade no STF contra a sanção do juiz de garantias. As entidades afirmam que a nova figura só poderia ser criada por lei complementar, alterando o Estatuto da Magistratura, e que a regra não poderia entrar em vigor de imediato, já que os cargos teriam de ser criados por meio de leis de organização do Poder Judiciário.

De acordo com a lei sancionada por Bolsonaro, o juiz de garantias será o responsável por decisões tomadas ao longo do processo, como requisições de documentos, quebras de sigilos e autorizações de diligências. Já o juiz do processo, que antes também tomava essas decisões, ficará responsável apenas pela sentença.


A lei prevê um rodízio nas comarcas em que há apenas um juiz, mas não traz detalhes de como isso funcionará. A regulamentação poderá ser feita pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

"Leio na lei de criação do juiz de garantias que, nas comarcas com um juiz apenas (40 por cento do total), será feito um 'rodízio de magistrados' para resolver a necessidade de outro juiz. Para mim é um mistério o que esse 'rodízio' significa. Tenho dúvidas se alguém sabe a resposta", escreveu Moro no Twitter.

Em parecer enviado a Bolsonaro, o Ministério da Justiça havia recomendado o veto à criação do juiz de garantias. Afirmou que caberia ao Supremo Tribunal Federal (STF) propor essa mudança ao Congresso, por alterar a estrutura do Poder Judiciário. 
Nas redes sociais, Bolsonaro justificou a sanção afirmando que não pode "sempre dizer não ao Parlamento".

Mais cedo, em outra publicação no seu Twitter, Moro apareceu em Toronto, no Canadá, ao lado de uma estátua em homenagem a Winston Churchill, primeiro-ministro britânico durante a II Guerra Mundial. Moro se definiu como um "admirador" de Churchill, conservador e um dos líderes nos esforços para conter o nazifascismo da Alemanha de Hitler e da Itália de Mussolini.

"Tempo de renovar as energias com exemplos do passado e de sempre", escreveu Moro ao publicar a foto.