O Globo, n. 31555, 29/12/2019. Mundo, p. 27

Além do impeachment

Paola de Orte


Assim como o placar na votação do inquérito de impeachment de Donald Trump expôs a polarização nos Estados Unidos em números, a corrida eleitoral de 2020 deve confirmar o aprofundamento da divisão na sociedade americana. Analistas ouvidos pelo GLOBO acreditam que as eleições serão apertadas e que tanto republicanos quanto democratas terão que ir além do debate sobre o impedimento do presidente para convencer o eleitorado a sair de casa. Em um país em que o voto não é obrigatório, a mobilização da base é um dos principais determinantes da corrida eleitoral.

— Trump conseguiu fazer sua base sair para votar, e ele o fez em estados chave no Colégio Eleitoral, o que foi crucial para sua vitória em 2016 —diz o diretor do Pew Research Center, Carroll Doherty.

Apesar da aparente vantagem do presidente, Doherty lembra que a demografia americana está mudando. Pesquisa de 2019 mostrou que a proporção de brancos no eleitorado diminui, já ade hispânicos, negros e asiáticos aumenta.

— O Partido Democrata mudou. E isso fez com que refletisse melhor o fator demográfico do que o Republicano.

Os democratas têm o apoio dos jovens, mas esse grupo é o que menos comparece às urnas. O“fator Trump”, no entanto, pode motivá-los: nas eleições de meio de mandato em 2018, os democratas saíram vitoriosos e alcançaram maioria na Câmara dos Deputados. Mas só isso não será suficiente, diz Doherty:


— Vão precisar de alguém que inspire mais do que Hillary Clinton em 2016.

Ele acredita que, assim como em 2016, as eleições serão amargas. Também devem ser apertadas.

O professor Allan Lichtman, da American University, concorda. Ao contrário da maioria dos analistas, ele acertou o resultado em 2016. Previu inclusive o impeachment.

— A eleição está muito apertada. Muito dependerá de como a economia estará no ano que vem, se haverá um terceiro candidato, se os democratas lançarão um candidato que inspire as pessoas e se a Presidência de Trump vai provocar convulsões sociais pelo país.


Antecedentes históricos

Para fazer previsões, Lichtman aplica um método próprio: “13 chaves para a Casa Branca”. São afirmações que devem ser classificadas como falsas ou verdadeiras. Se seis ou mais forem falsas, o partido de situação perde. Segundo ele, o método permitiu prever corretamente os resultados presidenciais desde 1984.

Lichtman diz que é cedo para prever 2020, já que, em tempos de Trump, tudo muda rápido. Mas argumenta que cinco chaves jogam contra o presidente: mandato do partido, já que republicanos perderam maioria na Câmara; 
sucesso em política externa, pois o professor avalia que não houve nenhum; provável fracasso em política externa com a retirada das tropas da Síria; carisma, já que Trump não é inspirador para um espectro amplo da população como Barack Obama ou Ronald Reagan eram; e escândalo.

— O impeachment, que faz de Donald Trump apenas o terceiro presidente em toda a História (dos EUA) a sofrer impeachment pela Câmara, gira a chave do escândalo contra o Partido Republicano.

Apesar de Trump torcer para que o processo se volte contra os democratas, o professor lembra que, na História americana, os partidos dos presidentes que passaram por impeachment perderam as eleições. Na conta, Andrew Johnson, Richard Nixon e Bill Clinton, cujo partido perdeu as eleições em 2000 “que deveria ter ganhado facilmente em tempos de paz, prosperidade e tranquilidade doméstica e exterior”.


Darrell West, pesquisador da Brookings Institution, concorda que o impeachment não joga a favor do presidente, mesmo que ele saia vitorioso no Senado.

— Não acho que seja bom para ele porque o deixa sujeito a ataques. Cria vulnerabilidades, especialmente entre mulheres do subúrbio. Elas têm sido um key swing [um voto chave, mas que oscila]. E estão preocupadas com a ética precária na Casa Branca.

Ele pensa que o principal efeito do impeachment será mobilizar as bases em um país dividido, já que ambos os partidos 
se sentem atingidos. Democratas acreditam que Trump é corrupto e autoritário. Republicanos reclamam de um processo injusto.

West diz que o processo não mudou a situação radicalmente, apenas reforçou crenças estabelecidas. Para o pesquisador, as eleições serão competitivas, e os candidatos terão que ir além do impeachment e tratar de política doméstica para ganhar pontos. Democratas terão vantagem em discussões sobre saúde, enquanto Trump domina quando o assunto é economia, mas sofre por sua “grosseria e ética precária”.


Uma base leal

A pesquisa do instituto Gallup aponta que a aprovação de Trump (1945-1953) cresceu seis pontos desde o início do impeachment: está em 45%. Mas analistas concordam que o número não és uf ici ente para levara Presidência. Carroll Doherty argumenta que a mudança foi marginal e lembra que, ao contrário de Obama ou George W. Bush, o número se manteve constante ao longo do governo. O agregado de pesquisas da FiveThirtyEight aponta que a aprovação de Trump aos 1.065 dias de mandato é a mais baixa desde Harry S. Truman, descontando os presidentes que não chegaram a completar esse período: Gerald Ford e John F. Kennedy.

— Em um ambiente político normal, não é isso o que você quer, sendo um presidente no poder que está tentando se reeleger, mas Donald Trump tem uma base incrivelmente leal.

Além da briga para tirar os eleitores de casa, republicanos e democratas devem tentar conquistar o voto dos independentes. Eles são apenas 10% dos eleitores, menos propensos a sair de casa e mais imprevisíveis, mas podem mudar o equilíbrio nos swing states.


A eleição presidencial nos EUA não é definida pelo voto popular nacional, mas por votações em cada um dos 50 estados. Cerca de 40 deles são solidamente republicanos (como o Texas) ou democratas (como a Califórnia). A definição acaba saindo pelos estados restantes, que oscilam entre os partidos e por isso são chamados swing states. Outro fa torque fará adi ferençaéaesc olhado candidato democrata. O carisma do candidato de oposição é “chave crucial” para ganhar a Casa Branca, segundo Lichtman.

— Eu não vejo nenhum deles (pré-candidatos democratas) como um Kennedy, ou Reagan, ou Obama, mas não temos um candidato ainda. E assim que tivermos um candidato, as coisas podem mudar.

“O Partido Democrata mudou. E isso fez com que refletisse melhor o perfil demográfico.”  Carroll Doherty, diretor do Pew Research Center.