Correio Braziliense, n. 20666, 22/12/2019. Saúde, p. 13

Por que elas vivem mais
Vilhena Soares


“Eu não dei por esta mudança, tão simples, tão certa, tão fácil. Em que espelho ficou perdida a minha face?” O trecho do poema Retrato é um relato de como a escritora Cecília Meireles foi surpreendida pelas mudanças causadas pela chegada da idade. Esse sobressalto é comum a outras mulheres, que, além das alterações físicas, precisam lidar com outras mudanças biológicas em seu organismo, como a menopausa. Pesquisas mostram que, em todo o mundo, as mulheres vivem mais do que os homens, mas por que isso ocorre? Uma série de fatores, como a genética, o comportamento e os hormônios, contribui para esse cenário. Especialistas buscam entender essa diferenciação e defendem medidas para que a população feminina possa lidar melhor com essas mudanças.

Em abril, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou uma série de dados sobre a diferença de expectativa de vida entre os gêneros. O órgão revelou que, com base nos recentes riscos de mortalidade, meninos que nascerem neste ano viverão, em média, 69,8 anos, e meninas, 74,2 anos — uma diferença de 4,4 anos. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostraram que a expectativa de vida ao se nascer no país em 2018 é de 80 anos para mulheres e 73 anos para homens. “Por homicídio, acidentes de trânsito, suicídio e doenças cardiovasculares, os homens estão pior do que as mulheres”, lista Richard Cibulskis, principal autor do Panorama Mundial de Estatísticas de Saúde da OMS 2019.

As mulheres estão vivendo mais em todo o mundo, e os especialistas mostram dados que ajudam a explicar esse fenômeno. Uma das justificativas é que elas se cuidam mais. “Em países com epidemia de Aids, por exemplo, vemos que os homens são menos propensos a fazer o teste de HIV do que as mulheres e, dessa forma, menos propensos a ter acesso à terapia antirretroviral. Consequentemente, apresentam risco maior de morrer de doenças relacionadas a essa enfermidade”, destacaram os autores do documento da OMS.

O panorama também ressalta que o padrão se repete em relação a outras enfermidades. Segundo os especialistas, em 2016, dados mostraram que os riscos de um homem de 30 anos morrer de uma doença não transmissível antes dos 70 anos era 44% maior do que o de uma mulher com o mesmo perfil, devido principalmente à falta de atenção a cuidados médicos, como no caso de doenças cardíacas, que exigem atenção à dieta e exames feitos periodicamente.

Recompensa

Especialistas também acreditam que uma das explicações para comportamentos tão distintos sãos os hormônios. Algumas pesquisas apontam que a testosterona pode estar relacionada a um comportamento mais inconsequente. “Não temos provas, mas muitas pesquisas defendem que ela estimula o homem a ter comportamentos de risco. Temos trabalhos que mostram que a área de recompensa do cérebro, por exemplo, dispara mais nos homens quando o cigarro é consumido”, diz Victor Calil, neurocientista do Instituto Idor de Pesquisa, no Rio de Janeiro. “Mas, claro, que os fatores culturais também podem influenciar”, complementa.

Para Calil, entender melhor essas diferenças pode ser algo positivo para a área médica. “Hoje, ainda estamos compreendendo esses aspectos comportamentais e como nosso cérebro funciona. Com mais dados relativos a esse tipo de diferenças entre os gêneros, poderemos usá-los para aumentar a longevidade, por exemplo”, acredita.

Pesquisas laboratoriais diversas já mostraram que o estrogênio, hormônio feminino, ajuda a reduzir o envelhecimento das células devido a um efeito antioxidante que proporciona ao organismo. “O estrogênio, hormônio feminino, tem diversas funções no organismo, como ação anti-inflamatória, osteoprotetora, neuroprotetora e cardiovascular”, explica Wanessa Stival, endocrinologista e metabologista do Instituto Castro e Santos (ICS), em Brasília.

Gordura

Apesar desses fatores protetivos, os hormônios também estão relacionados a uma série de problemas de saúde, tanto para homens quanto para mulheres. “A proporção de estradiol e testosterona no organismo direciona o acúmulo de gordura para áreas mais periféricas, como quadril e coxas, no caso das mulheres, ou abdominal/visceral, no caso dos homens”, ressalta a médica. “Esse acúmulo abdominal, além de ser altamente inflamatório, está intimamente relacionado a doenças crônicas, como hipertensão, diabetes, colesterol alterado e síndrome metabólica, muito mais comum em homens”, completa.

Para Stival, mudanças simples podem ajudar as mulheres a se preparar melhor para o envelhecimento. “Bons hábitos alimentares, combate ao estresse e atividade física sempre estiveram, e estarão, nas principais recomendações. Atualmente, a terapia de reposição hormonal feminina está muito mais segura e, quando bem indicada, pode melhorar muito a qualidade de vida e prolongar os efeitos benéficos do estradiol nessa fase da vida”, frisa.

A médica é otimista quanto ao futuro. Ela acredita que o envelhecimento feminino já ganhou e deve conquistar ainda mais aliados. “Estamos caminhando na direção de novos tratamentos. A tecnologia tem auxiliado muito com exames melhores, protocolos mais seguros e métodos e medicamentos que permitem prevenir diversas doenças da senilidade e garantir muito mais qualidade de vida”, diz.