Correio Braziliense, n. 20676, 01/01/2020. Política, p. 2

Promessas não saem do papel

Jorge Vasconcellos


 

O movimento em defesa das pessoas com deficiência tem muito pouco a comemorar ao fim do primeiro ano de governo do presidente Jair Bolsonaro. O sentimento é de insatisfação pelo não cumprimento de promessas de campanha e até por retrocessos em avanços anteriormente conquistados. Um levantamento do Comitê Brasileiro de Organizações Representativas das Pessoas com Deficiência (CRPD), que reúne as principais entidades engajadas nessa causa, revelou que apenas um dos sete compromissos assumidos pelo então candidato do PSL saiu do papel.

Integram esse comitê as 10 mais importantes organizações atuantes na defesa dos direitos dos cerca de 46 milhões de pessoas que vivem com algum tipo de deficiência no país, o equivalente a 24% da população — dados do Censo do IBGE de 2010. As principais demandas desse movimento são a inclusão — social, educacional e laboral — das pessoas com deficiência, o fim do preconceito e a garantia de acesso aos serviços de saúde, reabilitação e assistência social.

Em 19 de outubro de 2018, entre os dois turnos da corrida presidencial, Bolsonaro recebeu em sua casa, no Rio de Janeiro, representantes de todas as instituições integrantes do CRPD. No encontro, eles apresentaram uma carta compromisso (veja arte), que foi assinada pelo candidato. O então presidenciável do PT, Fernando Haddad, também foi procurado e assinou documento semelhante.

As expectativas dessas entidades cresceram no dia da posse presidencial, quando a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, protagonizou um dos momentos mais comentados da cerimônia. Ela quebrou o protocolo e fez um discurso em Libras (Língua Brasileira de Sinais), prometendo se dedicar à causa das pessoas com deficiência. “Vocês serão valorizados e terão seus direitos respeitados. Tenho esse chamado no meu coração e desejo contribuir na promoção do ser humano”, afirmou, na ocasião.

O Correio fez contato com o presidente do CRPD, Moisés Bauer Luiz, e solicitou que ele comentasse a atuação do governo federal em relação a cada um dos compromissos assumidos por Bolsonaro. Ele disse que ia se reunir com as instituições integrantes do comitê para fazer um levantamento dos resultados das políticas públicas do governo para o setor. Após o encontro, Bauer falou à reportagem sobre os desdobramentos de cada uma das promessas de campanha.

O primeiro dos compromissos, por exemplo, de fortalecer o orçamento e a estrutura dos órgãos atuantes no setor, com a efetiva participação das pessoas com deficiência na construção das políticas públicas, não foi cumprido, segundo Bauer.

“Nós entendemos que, no que diz respeito à manutenção do órgão na administração pública federal para tocar as políticas do setor, ou seja, a Secretaria Nacional da Pessoa com Deficiência, a estrutura desse órgão foi mantida, felizmente”, afirmou. “No que diz respeito a cargos, ela foi até um pouco ampliada. Nos parece, em razão da crise econômica, que o orçamento poderia ser bem melhor, mas, em razão da conjuntura econômica do país, algo que já vem de outros governos, é um orçamento, na nossa avaliação, bastante reduzido para a gestão das políticas das pessoas com deficiência.” Ele criticou a estrutura do Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência (Conade), considerada precária pelas entidades integrantes do comitê.

Ausência

Bauer lamentou a ausência da participação de pessoas com deficiência na construção das políticas públicas. “Quanto à última parte desse primeiro compromisso, a gente pensa que esse é o grande prejuízo deste governo até este momento”, frisou. “Nós nos colocamos à disposição, desde o momento da transição, para contribuir com este governo no que diz respeito às políticas públicas para as pessoas com deficiência, fazer valer a máxima utilizada durante a elaboração da Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência: ‘Nada sobre nós sem nós’, mas entendemos que o espaço de escuta, infelizmente, foi muito reduzido, e isso reflete em alguns exemplos práticos”, criticou o presidente do CRPD.

Entre os exemplos, o dirigente citou o Decreto nº 10.110, de novembro, que institui a Estratégia Nacional de Qualificação para a Produtividade e o Emprego e o Conselho de Desenvolvimento do Capital Humano para a Produtividade e o Emprego. “Esse decreto elege cinco ou seis públicos prioritários, e as pessoas com deficiência não estão previstas entre esses públicos prioritários para uma estratégia de qualificação profissional”, protestou. “Isso é lamentável, e só se dá por uma ausência de diálogo e de envolvimento das nossas organizações na construção dessas políticas públicas.”

Outro texto também criticado por ele foi o Projeto de Lei nº 6.159, de autoria do Executivo e que praticamente acaba com a política de cotas para pessoas com deficiência. A matéria propõe que os empregadores possam substituir a adoção das cotas pela contribuição financeira a um fundo da União destinado a financiar ações de reabilitação. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), procurado pelo CRPD e por parlamentares que defendem a causa das pessoas com deficiência, assegurou que a proposta não vai avançar na Casa.

Entidades

Entre as organizações que integram o CRPD estão a Associação Brasileira de Autismo (Abra), o Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), a Federação Nacional das Apaes (Fenapaes), a Federação Nacional das Associações Pestalozzi (Fenapestalozzi) e a Organização Nacional de Cegos do Brasil (ONCB).