O Estado de S. Paulo, n.46142, 16/02/2020, Política, p. A11

Presidente culpa 'polícia do PT' por morte de miliciano
Denise Luna


 

O presidente Jair Bolsonaro negou ontem ter ligação com milícias e responsabilizou a “PM da Bahia do PT” pela morte de Adriano Magalhães da Nóbrega, que era procurado sob acusação de chefiar no Rio a milícia Escritório do Crime. O mandatário afirmou que conheceu o miliciano em 2005, nunca mais teve contato com ele e citou a imprensa para afirmar que a morte do exPM foi “queima de arquivo”.

Essa foi a primeira vez que Bolsonaro se manifesta sobre o expolicial morto pela Polícia Militar baiana, em cerco em Esplanada (BA), no dia 9, após fugir, por mais de um ano, da polícia fluminense. “Eu não conheço a milícia do Rio de Janeiro, não existe nenhuma ligação minha com a milícia do Rio de Janeiro, não existe nenhuma ligação minha com milícia no Rio de Janeiro, zero, zero”, disse o presidente, quando lhe disseram que Adriano era acusado de chefiar um grupo miliciano na zona oeste do Rio. Pouco antes, ele dissera desconhecer a vida pregressa do expolicial. “Naquele ano (2005, quando o então policial estava preso e era processado por matar um civil), ele é um herói da Polícia Militar.” Afirmou, porém, que “as pessoas mudam, para o bem ou para o mal mudam.”

A ex-mulher de Adriano, Danielle Mendonça, e a mãe dele, Raimunda Veras Magalhães, foram assessoras de Flávio Bolsonaro, filho do presidente, no Legislativo fluminense. As duas estão entre os investigados pelo Ministério Público (MP) no suposto esquema de “rachadinha” (devolução de salários ao parlamentar) no gabinete do então deputado estadual. O MP apura os crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

“Quem foi responsável pela morte do capitão Adriano foi a PM da Bahia do PT. Precisa dizer mais alguma coisa?”, disse o presidente, após a inauguração de uma obra no Rio. “Não tem nenhuma sentença julgada condenando o capitão Adriano por nada, sem querer defender.” Ex-deputado estadual, hoje senador, Flávio afirmou que o ex-PM foi torturado. A Secretaria de Segurança da Bahia repudiou as acusações do presidente e do filho e defendeu a legalidade da ação.

Em 2005, Adriano estava na prisão quando foi agraciado com a Medalha Tiradentes, mais alta condecoração da Assembleia Legislativa, a pedido de Flavio. “Eu pedi pra ele (Flávio) condecorar, ele (Adriano) é um herói”, disse o presidente. Ele afirmou que o filho condecorou centenas de policiais e o chamou para falar do episódio. “Isso tem 15 anos”, disse Flávio. O senador lembrou que fez questão de pedir para não cremarem o corpo de Adriano (manifestou-se pelo Twitter, quando a Justiça já tinha proibido a cremação) já que “pelo que soube e como mostrou a revista Veja, ele foi torturado.”

“Para falar o quê? Com certeza não é pra falar sobre nós, porque não tem o que falar contra nós, não temos envolvimento nenhum com milícia”, disse Flavio, demonstrando exaltação. A ex-mulher e a mãe de Adriano foram nomeadas no gabinete por indicação de Fabrício Queiroz, investigado como operador da “rachadinha”. Bolsonaro e o filho encerraram a entrevista quando indagados por que as duas foram contratadas. 

Reação. O governador Rui Costa (PT) rebateu o presidente pelo Twitter. “O governo da Bahia não mantém laços de amizade nem presta homenagens a bandidos nem procurados pela Justiça. A Bahia luta contra e não vai tolerar nunca milícias nem bandidagem”. E completou: “Na Bahia, a determinação é cumprir ordem judicial e prender criminosos com vida. Mas, se esses atiram contra pais e mães de família, que representam a sociedade, os mesmos têm direito de salvar suas próprias vidas, mesmo que os marginais tenham laços de amizade com a Presidência.”

O Escritório do Crime comete assassinatos por encomenda. Ronnie Lessa, acusado de matar a vereadora Marielle Franco (PSOL), em 2018, é ligado à milícia. Bolsonaro reagiu à noite com nota dizendo que Costa “não só mantém fortíssimos laços de amizade com bandidos condenados em segunda instância, como também lhes presta homenagens”. /  Colaborraram  Caio Sartori e André Vieira