Correio Braziliense, n. 20638, 24/11/2019. Artigos, p. 11

O petróleo não é estadual

Sacha Calmon


Estados e municípios podem ser considerados “produtores” de petróleo ou gás, quando extraídos na plataforma continental? Definitivamente, não! O mar territorial, a zona contígua, a plataforma continental e a zona de exploração econômica exclusiva são categorias de direito internacional público, definidas em tratado internacional de que o Brasil é signatário.

Após tentativas frustradas de tratados multilaterais abrangentes sobre os direitos do mar, de 1958 e 1960, que definissem o território marítimo das nações vizinhas dos oceanos, sua largura e respectiva soberania, sobreveio, em 1982, a Convenção das Nações Unidas sobre o “Direito do Mar”, ou, simplesmente, Convenção de Montego Bay, com avanços significativos. O tratado - dividido em 17 partes, com 320 artigos e oito anexos - conceitua e regula os institutos marítimos, cria o Tribunal Internacional do Mar e reparte os espaços marítimos em águas internas, mar territorial, zona contígua, zona econômica exclusiva e plataforma continental.

Constituição de 1988 - Art. 20 - São bens da União: V - os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva; VI - o mar territorial; VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos; VIII - os potenciais de energia hidráulica; (...)

Indiferente à limitação legal, a mídia nacional - ecoando o discurso político - frequentemente fala de estados “produtores” e “não produtores” de petróleo e gás e falseia a repartição dos royalties do petróleo entre União, estados e municípios. Na verdade, o Brasil não tem território, nem soberania sobre o mar da plataforma continental e do leito do oceano. Como pessoa jurídica de direito público internacional, é apenas titular da prerrogativa de explorar, com exclusividade, os recursos naturais ali existentes, segundo a Convenção Internacional em comento. E onde não há território nem soberania descabe falar em estados produtores e não produtores.

Na técnica constitucional, a União tem bens, como os particulares, situados - salvo o mar territorial - em algum Estado-membro. Daí, por elementar suposição, a crença de que os bens da União estariam sempre em algum estado e município. Mas nem sempre...

Reza a Constituição “que são bens da União, dentre outros (Art. 20), os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva (item V) e o mar territorial (item VI), os quais - salta aos olhos - situam-se fora dos estados e de seus municípios. Mas é pela prerrogativa de explorar os recursos naturais ali existentes que o parágrafo primeiro do artigo estabelece o discrimina:

§ lº - É assegurada, nos termos da lei, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração”.

Como se vê, a participação dos estados e municípios se dá de duas maneiras: primeiro, privativamente, quando a exploração ocorrer nos respectivos territórios; e segundo, em igualdade entre eles (princípio de isonomia), quando a exploração ocorrer na plataforma continental, em mar territorial ou em zona econômica exclusiva, porque não circunscritas “no respectivo território”, como ressalta o parágrafo. (...)

Exemplos: (1) os poços de petróleo terrestres no recôncavo baiano geram royalties para a União, o estado da Bahia e para os municípios onde situados. (2) O minério extraído em Congonhas do Campo, Minas Gerais, gera royalties para a União, o estado de Minas Gerais e, óbvio, para o município de Congonhas, excluídos os demais. Consequentemente, o petróleo, o gás e o minério que saem do subsolo marinho, abaixo do mar territorial, da plataforma continental ou da zona de exploração exclusiva haverão de ser repartidos entre todos os estados e municípios de forma igual, em nome da isonomia federativa.

 

» Sacha Calmon
Advogado

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