Correio Braziliense, n. 20671, 27/12/2019. Política, p. 4

Reflexos na economia
Bernardo bittar
Luiz calcagno



Preconceitos contra mulheres, negros, LGBTs (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgênero), indígenas, nordestinos e pobres interferem na economia e no desenvolvimento do Brasil. Um exemplo foi a redução de concessão de crédito no Nordeste, após ataque do presidente Jair Bolsonaro aos nordestinos. Ele disse que, “daqueles governadores de ‘paraíba’, o pior é o do Maranhão” — referência ao governador Flávio Dino (PCdoB-MA).

Levantamento de bancos públicos analisado pelo Correio revela que, até julho, os estados da região receberam apenas 2,2% do total de novos empréstimos autorizados por bancos públicos — um percentual muito menor do que os 21,6% em 2018 e do que os 18,6%, em 2017. “A percepção é justamente essa. Um presidente tem influência entre os eleitores e no mercado. Coisas assim legitimam e repercutem na sociedade, trazendo desvantagens às pessoas, ainda que por omissão”, declara o cientista político Carlos Alberto Moura, analista da HC7 Pesquisas.

Bolsonaro alegou que o baixo volume de financiamentos se deve à alta inadimplência dos municípios nordestinos. Mas as informações do Tesouro Nacional mostram que não há diferenças regionais nos débitos nem impedimento legal para que os repasses ocorram.

O especialista acredita que parte do discurso de Bolsonaro sobre os nordestinos respinga em seu maior inimigo político, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que nasceu na região. A rejeição ao petista bateu recordes após ele ser condenado em segunda instância por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá (SP) e ser preso na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. O ex-presidente acabou sendo libertado depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu proibir a detenção antes de esgotados todos os recursos judiciais.

“Foi nessa época de ‘baixa’ do Lula que o presidente intensificou essas questões, em que abordava os ‘paraíbas’ em conversas privadas e áudios que vazaram para a imprensa”, acrescenta Carlos Alberto. O analista reforça a intransigência de tratar temas políticos com agressões. “É necessário refinar o discurso do presidente, especialmente para diminuir questões tratadas como ‘foro íntimo’. Não existe isso enquanto está no exercício do cargo.”

A reportagem procurou a Presidência da República para que comentasse sobre os assuntos, mas foi orientada a ouvir os ministérios relacionados aos temas. O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos não respondeu. O da Cidadania disse que os assuntos não estão sob sua responsabilidade. Já sobre o Nordeste, o Ministério do Desenvolvimento Regional informou, por nota, que “atua em diversas frentes para promover a redução das desigualdades sociais no país e fomentar o desenvolvimento das regiões”. Segundo o órgão, neste ano, “48,3% dos recursos da pasta foram para a Região Nordeste, o que representa R$ 12,5 bilhões do total de R$ 25,9 bilhões”. “O montante inclui todos os investimentos, financiamentos e custeio do Ministério e de seus órgãos vinculados. As políticas públicas são nas áreas de habitação, segurança hídrica, desenvolvimento regional e urbano, defesa civil, mobilidade e saneamento básico”, disse a pasta.

Frase

“É necessário refinar o discurso do presidente, especialmente para diminuir questões tratadas como ‘foro íntimo’. Não existe isso enquanto está no exercício do cargo”

Carlos Alberto Moura, cientista político

Necessidade de políticas públicas

Levantamentos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) demonstram a necessidade de mais políticas públicas para promover igualdade de raça e gênero, por exemplo. Em média, os brancos têm os maiores salários, sofrem menos com o desemprego e são maioria entre os que frequentam o ensino superior, segundo aponta estudo. Indicadores socioeconômicos da população preta e parda, assim como os dos indígenas, das mulheres e dos gays, são menores.

Pesquisa feita pela Elancers, especialista na produção e análise de sistemas de recrutamento e seleção, com 10 mil empresas, mostra que um em cada cinco não contrataria homossexuais para determinados cargos. Cerca de 1,5 mil responderam a pesquisa on-line, envolvendo 2.075 recrutadores. Os profissionais ouvidos são essencialmente mulheres — 75% do total, e 44% têm idade entre 26 e 35 anos.

Para o vice-presidente da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), Fábio Francisco Esteves, os números refletem a falta de apoio do governo federal. “Ouvi o presidente falar na campanha que governaria para a maioria. E que as minorias se curvariam a essa vontade. Então, a resposta é negativa”, argumenta. Na opinião do magistrado, políticas públicas seriam o primeiro passo para uma mudança de cenário. “Mas elas estão negligenciadas”, aponta.

Ao citar exemplos sobre as iniciativas pública e privada, ele relembra o caso da primeira desembargadora negra do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), Maria Ivatônia dos Santos. “É o primeiro caso em 60 anos de tribunal. Então, quando se fala no racismo institucionalizado, fora essa questão de ela ser mulher, é algo real”, acrescenta. Ainda assim, Esteves vê como ponto positivo o fortalecimento dos movimentos que defendem minorias.

Embora considere que o governo tenha mais possibilidade de implementar essas mudanças, Esteves credita à população parte da responsabilidade pelas mudanças. “É claro que não se omitir é importante. O Palácio do Planalto poderia fazer uma lei que obrigasse iniciativas inclusivas, mas a sociedade precisa cobrar”, complementa.

Discriminação

Primeira presidente eleita para a presidência do Tribunal Superior do Trabalho (TST) — vai comandar o biênio 2020-2022 —, a ministra Maria Cristina Peduzzi admite que há discriminação entre homens e mulheres no serviço público e na iniciativa privada. “A distinção de gênero é uma realidade histórica e cultural. Se manifesta tanto no trabalho quanto na vida civil. Sempre foi difícil para a mulher. Daí a importância dos movimentos feministas que fizeram com que a gente alcançasse a igualdade formal, essa existe, mas a igualdade material, ainda não.”

Ao dizer que a Justiça do Trabalho busca reparar diferenças de gênero, questões sexuais e raciais, a ministra traz informações sobre a efetividade da Corte trabalhista. “O princípio da isonomia está aí para garantir a independência de gênero, de raça, credo, posição política. As pessoas são iguais. Especificamente no campo do trabalho, isso é assegurado por causa da isonomia. Havendo descumprimento, o Poder Judiciário trabalhista vai corrigir, independentemente de raça ou sexo”, ressalta. (BB e LC)

 Frase

“As pessoas são iguais. Especificamente no campo do trabalho, isso é assegurado por causa da isonomia. Havendo descumprimento, o Poder Judiciário trabalhista vai corrigir, independentemente de raça ou sexo”

Maria Cristina Peduzzi, presidente eleita do TST

O que diz a lei

Reunidos no artigo 5º da Constituição Federal, os direitos do brasileiro estão fundamentados pelo princípio de que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.